segunda-feira, julho 01, 2013

Memórias do blogue (III)




Este blogue irá cumprir dez anos no decurso deste ano de 2013.

Proponho-me trazer aqui, de vez em quando, alguns dos meus textos de 2003 menos marcados pelo tempo.

Se tivesse escrito essa conversa hoje não teria falado das mesmas coisas, nem provavelmente da mesma forma, mas aí está, tal como a escrevi há 10 anos atrás.

Em conversa com o Torreão da Almedina



Aqui permaneces, quase indiferente ao curso do tempo.

Há quantos anos, meu velho Torreão?


Já deverias existir quando os bárbaros cruzados desbarataram a tua cidade, mas foi certamente a reconstrução almoada, pelos finais do século XII, que te deu o aspeto com que hoje te apresentas.


Sim. Salvo algumas máscaras e coberturas, com que te foram conservando e adaptando às diversas vontades e funções, o teu aspeto fundamental deve ter-se mantido bem próximo do que ostentas hoje, quando te olho.

Esse teu olhar sobre a praça em frente não seria o mesmo, seguramente. Parece-me relativamente recente o tipo de gosto que embelezou essa janela por onde me espreitas.

Esses dois apêndices, com flores, dificultam-te a vista?

Usa-los para neles verter as tuas lágrimas?

Duvido que ainda as tenhas, de tanto chorar. Já viste de tudo, não é?

Testemunhaste toda a miséria que se abateu sobre ti após a conquista cristã; ao longo de vários séculos foste assistindo ao assoreamento do rio, à saída do Governo Militar para Lagos, ao envio dos teus filhos para os novos lugares de além-mar, à expulsão de judeus e mouros, ao abandono da Sé pelo seu bispo e respetivo cabido, aos terrores da Inquisição.

Sonhaste, por vezes, como quando da visita de D. Dinis e reconstrução da Catedral, viveste as alegrias da vinda dos que foram a Ceuta (e voltaram), vitoriaste Afonso V quando viste restaurar a ponte e de novo a tua igreja, recebendo a sua visita.

Viveste intensamente as exéquias e depois o traslado de D. João II, a visita de D. Sebastião, para sucumbir de novo perante a perda dos teus melhores nas areias de Alcácer Quibir.

Tremeste e sofreste com o vigoroso terramoto de 1755.

Quase só, foste permanecendo ao longo do tempo, de restauro em restauro, pois tu eras a sempre restaurada, ou não fosses o local onde o poder se exercia, anfitriã ilustre de quem te visitava.

A pouco e pouco foi chegando a cortiça e com ela os corticeiros, os comerciantes, os capitalistas, os administradores das grandes fábricas, os operários e os assalariados, enchendo a tua cidade de gente, de dinheiro, de casas térreas e de prédios, dos novos Paços do Concelho (finalmente!), de bulício, de agitação, de riqueza e de miséria, mas também de ideias novas, de ciência, de tecnologia e de política.

Novas rotas, novos caminhos, novos interesses e a cidade corticeira ruiu num sangradouro que tudo levou: as fábricas, os operários, o capital e o trabalho.

Eis-te agora, esperançada na escola técnica, na barragem, na laranja, no turismo, no 25 de Abril, na Fábrica do Inglês, no Instituto Piaget, na autoestrada, no POLIS, mais uma vez ainda no almejado desassoreamento do rio, no que há de vir, no que há de chegar, na esperança, na esperança, na esperança...



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