segunda-feira, dezembro 26, 2011

Um poema a cada segunda-feira (LVIII)



O Público divulgou, há alguns anos, uma série de antologias de poesia que encomendara a certas personalidades da vida portuguesa não diretamente relacionadas com a literatura.

É desse manancial que esta rubrica se irá sustentar por algum tempo, confinando-se as minhas escolhas às opções dessa personalidades e a poetas que viveram, ou ainda vivem, sob o bafo civilizacional do séc. XXI.

A primeira vaga proveio da safra de Mário Soares.
Prossigo, agora com Miguel Veiga.


  • [ONDE MORA A MEMÓRIA OBSCURA,ONDE]

Onde mora a memória obscura, onde
esse cavalo persiste como um relâmpago de pedra,
onde o corpo se nega, onde a noite ensurdece,
caminho sobre pedras na minha casa pobre.

Não conheço esse lago, não fui a esse país.
Mas aqui é um termo ou um princípio novo.
Com a baba do cavalo, com os seus nervos mais finos
reconstruí o corpo, silenciei os membros.

Não se estancou a  sede, no mesmo caos de agora,
mas a língua rebenta, as vértebras estalam
por uma nova língua, por um cavalo que una

a terra à tua boca, e a tua boca à água.

António Ramos Rosa
Os poemas da minha vida
Miguel Veiga
Público, Lisboa 2005

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segunda-feira, dezembro 19, 2011

Um poema a cada segunda-feira (LVII)



O Público divulgou, há alguns anos, uma série de antologias de poesia que encomendara a certas personalidades da vida portuguesa não diretamente relacionadas com a literatura.

É desse manancial que esta rubrica se irá sustentar por algum tempo, confinando-se as minhas escolhas às opções dessa personalidades e a poetas que viveram, ou ainda vivem, sob o bafo civilizacional do séc. XXI.

A primeira vaga proveio da safra de Mário Soares.
Prossigo, agora com Miguel Veiga.


  • HEXAGRAMA KAN, DEPOIS DE FINISTERRA
          TRONO SOBRE TRONO

O perigo é companhia para o soberano
que instalou seu trono sobre a dinastia
seu projecto (recto) vem do longe donde
se ameaçam o riso o corpo o movimento
o segredo (segrego) a fala o linguajar
do dia anterior continuadamente.
Nem todos são os súbditos, quem o conduziu
ao trabalho do quotidiano (ano) inquieto
entre o sono iniciado tarde nas manhãs?

Breve é o receio de (o meio) deslocar-se
da paisagem mar apreendida extensa
entre o fio a fio assíduo da janela.
O momento é pouco para olhar as tintas e a criança
acode à chamada urgente (gente) dos vizinhos
Surpreende (prende) o plano do levantamento
apropriado à sede (sede da melancolia)
no curso das leis seu código fechado
em área de confusos (usos) dos lugares.

Não é de desistência ainda o tempo
de há muito em sua mão a rédea de colares:
eu estou aqui segura e cúmplice
nada pretendo (entendo) além do encadeado
de anéis colhidos (escolhidos) devagar.
Talvez seja amor o medo da assistência
talvez seja amor a culpa de não ter
o objecto (o ente) predilecto que refaz
solene esta alegoria do frágil (ágil) vidro
e nos separa (pára) à margem do poder.

Marta Cristina de Araújo
Os poemas da minha vida
Miguel Veiga
Público, Lisboa 2005

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segunda-feira, dezembro 12, 2011

Um poema a cada segunda-feira (LVI)



O Público divulgou, há alguns anos, uma série de antologias de poesia que encomendara a certas personalidades da vida portuguesa não diretamente relacionadas com a literatura.

É desse manancial que esta rubrica se irá sustentar por algum tempo, confinando-se as minhas escolhas às opções dessa personalidades e a poetas que viveram, ou ainda vivem, sob o bafo civilizacional do séc. XXI.

A primeira vaga proveio da safra de Mário Soares.
Prossigo, agora com Miguel Veiga.


  • SONETO QUASE MUDO
                       Para o Miguel Veiga, "gauchement"...

Há o silêncio, às vezes, entre nós,
e é um silêncio denso, ou uma fala
críptica, uma linguagem que abdica
do som, para ser só a voz da alma...

Há súbitas catarses de palavras
em torrente, cachoeiras de espuma
efervescente, ou talvez a timidez
dos gestos reprimidos ou represos.

Há os olhos que dizem sem dizer,
há o fluido subtil de quem se entende
mais longe do que a vida nos permite.

E há a confiança na ausência,
há segredos sabidos sem saber,
manhãs comuns em cada amanhecer.

Rui Polónio Sampaio
Os poemas da minha vida
Miguel Veiga
Público, Lisboa 2005

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segunda-feira, dezembro 05, 2011

Um poema a cada segunda-feira (LV)



O Público divulgou, há alguns anos, uma série de antologias de poesia que encomendara a certas personalidades da vida portuguesa não diretamente relacionadas com a literatura.

É desse manancial que esta rubrica se irá sustentar por algum tempo, confinando-se as minhas escolhas às opções dessa personalidades e a poetas que viveram, ou ainda vivem, sob o bafo civilizacional do séc. XXI.

A primeira vaga proveio da safra de Mário Soares.
Prossigo, agora com Miguel Veiga.


  • NÃO SEI DE AMOR SENÃO
Não sei de amor senão o amor perdido
o amor que só se tem de nunca o ter
procuro em cada corpo o nunca tido
e é esse que não pára de doer.
Não sei de amor senão o amor ferido
de tanto te encontrar e te perder.

Não sei de amor senão o não ter tido
teu corpo que não cesso de perder
nem de outro modo sei se tem sentido
este amor que só vive de não ter
o teu corpo que é meu porque perdido
não sei de amor senão esse doer.

Não sei de amor senão esse perder
teu corpo tão sem ti e nunca tido
para sempre só meu de nunca o ter
teu corpo que me dói no corpo ferido
onde não deixou nunca de doer
não sei de amor senão o amor perdido.

Não sei de amor senão o sem sentido
deste amor que não morre por morrer
o teu corpo tão nu nunca despido
o teu corpo tão vivo de o perder
neste amor que só é de não ter sido
não sei de amor senão esse não ter.

Não sei de amor senão o não haver
amor que dure mais que o nunca tido.
Há um corpo que não pára de doer
só esse é que não morre de tão perdido
só esse é sempre meu de nunca o ser
não sei de amor senão o amor ferido.

Não sei de amor senão o tempo ido
em que o amor era amor de puro arder
tudo passa mas não o não ter tido
o teu corpo de ser e de não ser
só esse é meu por nunca ter ardido
não sei de amor senão esse perder.

Cintilante na noite um corpo ferido
só nele de o não ter tido eu hei-de arder
não sei de amor senão amor perdido.

Manuel Alegre
Os poemas da minha vida
Miguel Veiga
Público, Lisboa 2005

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