sábado, maio 21, 2011

Mértola 2011 e o seu Festival



Estive em Mértola na passada quinta-feira, por ocasião do Festival Islâmico.

Habitualmente escolho ir nos primeiros dias do festival para evitar a grande aglomeração de pessoas no sábado ou no domingo. Gosto de apreciar as coisas com o meu vagar.

Este ano poderia até optar por quinta ou sexta, mas decidi-me pela quinta-feira de forma a poder participar na conferência - DIÁLOGO E CIDADANIA NO MEDITERRÂNEO - numa iniciativa da Fundação Anna Lindh.

Se assim o decidi, melhor o fiz, porque tive a oportunidade única de ouvir especialistas que, pela sua proximidade geográfica ao Norte de África, pelo conhecimento factual, pela observação e pelo estudo nos trouxeram profundas e inquietantes observações e análises sobre os recentes acontecimentos nessa zona do globo.



Permitam-me que destaque as intervenções que mais profundamente me tocaram, nomeadamente a de Antoine Messara, libanês, sociólogo e professor universitário, que se referiu particularmente ao nosso olhar europeu e às preocupações que isso nos suscita no que se refere às trocas comerciais, à emigração, às questões de segurança, ao impacto das mudanças naquela zona, berço de 3 religiões e com uma história comum que nos é contada de forma fragmentária, quando não mesmo ocultada, geradora de preconceitos quanto à capacidade daqueles povos para se democratizarem. Afirmou que nenhuma revolução provocou mudanças imediatas, antes um dinamismo que torna possível um processo de fecundação educacional e cultural, mas que a curto termo podem conduzir à emergência de novas tiranias.
Giovanna Tanzarella, de BabelMed, que afirmou que estes acontecimentos no Norte de África alteraram o nosso olhar. O falar de "mundo árabe" deixou de fazer sentido, porque nos confrontámos com a diversidade. A demografia foi a chave de grande mudanças e hoje a natalidade baixou irremediavelmente, com alterações de monta no seio da família tradicional, por via do filho que estudou e que provoca alguma quebra na autoridade do pai, com poucos ou nenhuns estudos; os casais com idênticas formações e desempenhos profissionais a alterar as relações de poder no seio da família e a planear o número de filhos. Movimentos de mutação cultural, circulação de informação, mobilidade dos intelectuais, novas temáticas na literatura e a dimensão cultural como via de mudança. Chamou a atenção para a urgência de uma outra atitude da Europa face à emigração e à alteração da atitude negocial dos europeus, que sentem ser, por proximidade, os primeiros interlocutores e que deviam ajudar a abrir a outra margem a outros povos e civilizações de outros continentes. Perder de certo modo uma atitude de contornos colonialistas ou paternalistas.

Jalel El Gharbi, tunisino, escritor, tradutor e professor universitário, teve a mais emotiva intervenção da tarde.
As imolações suces- sivas de jovens, pelo forte impacto emocio- nal que geraram, terão sido a razão que despoletou este  des- contentamento perante a perda de credibilidade do governo corrupto de ben Ali. Tornou-se um grito de desespero, numa das sociedades com mais elevado grau educativo de entre as que foram palco destes recentes acontecimentos. Não há volta a dar. Venha o que vier nada mais será como era na Tunísia dos nossos dias. Queremos as mudanças já. O que queremos não é contra os europeus, nem conta os americanos, nem contra Israel. O que queremos é o bem-estar económico e a paz. Estamos fartos de viver no seio da corrupção generalizada.

Citou um poeta local - Chebbi - cujas palavras foram o mote da rebelião:

"Quando um dia o povo exige a vida, é inevitável que o destino responda."

Pena foi que o conhecimento e a repercussão desta conferência e do debate que se seguiu tivessem ficado um pouco confinados aos que aqui estiveram presentes, dada a completa ausência de jornalistas em função de reportagem, embora na mesa estivesse Paulo Moura, correspondente do PÚBLICO na Tunísia, no Egipto e na Líbia e que aqui também deixou testemunho do que se viveu e vive naquela outra margem deste mar que nos separa e de que Mértola é o (seu) último porto - o Mediterrâneo.

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