segunda-feira, abril 27, 2009

Memória da Violência

O Museu de Portimão lançou o primeiro volume da colecção Memória Futura que, conforme referiu o seu Director, José Gameiro, visa a «...edição prioritária de trabalhos e estudos originais relacionados tematicamente com Portimão e o Algarve. ...».
O lançamento ocorreu no auditório do referido Museu, por ocasião das comemorações do 25 de Abril.

Maria João Raminhos, doutorada em História Contemporânea pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, procedeu à apresentação deste seu livro - Presos Políticos Algarvios em Angra do Heroísmo e no Tarrafal (Edições Colibri) - de «... forma a proporcionar aos portugueses um maior conhecimento e identificação com o seu espaço histórico, dando-lhes a conhecer um especial contributo, a História dos presos políticos algarvios, isto é, o trágico destino dos que, de algum modo, mais se opuseram e resistiram ao regime ditatorial, ao "Estado Novo", nessa região

Um dos dois biografados foi meu amigo pessoal, pai de uma amigo com quem mantenho uma relação de muita proximidade, e que é, nessa altura com pouco mais de 20 anos, o que se situa no canto direito da fotografia abaixo, na prisão da Trafaria, onde aguardava o julgamento que o privaria da Liberdade por cerca de 13 anos - António Estrela.

São 30 os prisioneiros em Angra do Heroísmo e Tarrafal, dos quais 17 são de Silves. É do martírio de todos eles e em especial dos dois biografados, ambos do concelho de Silves, de que se ocupa este livro.
Como refere a autora, «... Nas vidas destes homens cruzaram-se as ideologias políticas e destinos particularmente atribulados. Nas suas personalidades e nas suas vidas, jogou-se, para além das suas opções políticas, [a sorte e o azar, o acaso e a necessidade, o plano e o improviso, o acto reflectido e o impulso instintivo, a ditadura dos factos e o triunfo da acção, o determinismo da matéria e a liberdade da escolha] (citando Maria de Fátima Bonifácio, em Apologia da História Política, Estudos sobre o Século XIX, Quetzal Editores, Lisboa 1999, p. 114)»

quinta-feira, abril 23, 2009

Os erros do Algarve em Marrocos

Foto de António Baeta

De Al-Hoceima diria que é o deslumbramento da beleza natural da sua enorme baía e o descontentamento de uma arquitectura e de uma urbanização de "faz-de-conta que somos ricos e desenvolvidos". Já vimos disso no Algarve.
É uma cidade com mais 70 mil habitantes, incaracterística, com ar de cidade espanhola camuflada do pior kitsch orientalista.

Foi o nosso ponto de apoio, por causa dos hotéis e restaurantes, e aqui passei alguns dias de agradável convívio com amigos de há alguns anos e outros que vim agora a conhecer e com os quais foi fácil partilhar ideias e afectos, dada a sintonia de interesses que nos fez congregar ali.

Das amizades e convívios possuo fotos que me reservo de divulgar, como matéria que é de foro pessoal, mas de al-Hoceima e periferia podereis visitá-las na Webshots (basta um clique).

quarta-feira, abril 22, 2009

Sentimento de pertença

Foto de António Baeta

O Centro Social e Cultural de Imzúren foi pequeno para acolher a autêntica multidão, de gente de todas as idades, que queria assistir à homenagem pública a um dos seus conterrâneos - Ahmed Tahiri - na forma de um Encontro Internacional sobre o Rif na História e na Civilização.

Fiquei verdadeiramente surpreendido com o afluxo de tanta gente a um acontecimento cultural e senti-me comovido ao deparar com a espontaneidade e a sincera alegria que eclodia dos rostos de muitos dos adolescentes presentes, orgulhosos de um dos seus, ao escutar do que dele diziam os conferencistas que ali se deslocaram, provenientes de vários países e continentes.

Ali o ídolo não era do mundo da música, da moda, do cinema ou da televisão, não era um ricaço ou um político, mas um intelectual dedicado e um amante da sua terra e da sua gente.

Esta atitude foi manifesta, não só na sessão inaugural, mas também durante as longas sessões, de conferencistas que lhes traziam novidades interpretativas sobre os factos da sua História, da sua Geografia, da sua Antropologia... da civilização que os torna tão peculiares.

Ocorreu-me frequentemente comparar esta avidez e curiosidade intelectual com a dos nossos jovens, tão alheios ao mundo dos adultos.

Aqui houve sentido comunitário. Aqui a comunidade funcionou, para além da política e dos políticos, da religião, da moral e dos costumes, da polícia e da arbitrariedade repressiva.

terça-feira, abril 21, 2009

De al-Hoceima a Tetuan

Foto de António Baeta

Quando me refiro às 9 horas de autocarro para atravessar as altas e longas cadeias de montanhas do Rif, de al-Hoceima a Tetuan, em Marrocos, recebo exclamações de desconforto e de incomodidade.

Felizmente assim foi, penso eu, pois se a nova estrada junto à costa, já construída, estivesse aberta ao público, eu nunca teria conhecido esta maravilha da Natureza, esta diversidade de paisagem em cada vale e cada encosta, este mundo que nos surpreende a cada curva da estrada e que na sua maior extensão me tinha ficado oculto na viagem de ida, devido à chuva, ao nevoeiro e, por fim, ao anoitecer.

Quero partilhar convosco o que pude guardar na minha câmara fotográfica e deixei disponível na Webshots (basta um clique).

terça-feira, abril 14, 2009

Estreitando laços, na outra margem do Mediterrâneo

A imagem reproduz o emblema da Cidade de Imzúren, no Rif (cadeia de montanhas sobre o Mediterrâneo), em Marrocos.
Pois é para lá que me desloco, a partir de amanhã, num "fim-de-semana" prolongado, para participar num Encontro Internacional - O RIF na História e na Civilização - em homenagem ao Dr. Ahmed Tahiri, estimado amigo, repetidamente mencionado nestes últimos posts.
Entre os conferencistas identifiquei os provenientes de Portugal, Espanha, França, Egipto e Síria, além dos marroquinos, residentes em Marrocos e no estrangeiro.

No regresso conto trazer fotos e impressões.

Até breve!

segunda-feira, abril 06, 2009

Apresentação de livro em 3 actos


  • Sabemos (e compreendemos) hoje melhor, depois deste livro, que além do património, da arquitectura, da paisagem, das hortas e dos campos de figueiras, da luz da Ria poisada nas paredes de cal - Cacela é sobretudo uma realidade urbana (e intangível) feita de poesia e milagre.

Assim o disse José Carlos Barros, Vice-Presidente da Câmara Municipal de Vila Real de Santo António, por ocasião da apresentação do livro - Cacela e o seu poeta Ibn Darraj al-Qastalli na História e Literatura do Al-Andalus.

Houve cerimónia, sim, e a palavra coube ao anfitrião, como já citei; ao autor, Ahmed Tahiri, Professor Catedrático de História Medieval, que ao longo de dois anos trabalhou as mais variadas fontes numa investigação que conduziu a esta obra; à coordenadora editorial por parte da Fundación Al-Idrisi Hispano Marroqui para la Investigación Histórica, Arqueológica y Arquitectónica, Fátima Zahara Aitoutouhen; e Teresa Rita Lopes, enquanto poeta de raízes cacelenses.

Após a cerimónia, que teve lugar no antigo Cemitério, hoje desactivado, todos os que ali se juntaram a homenagear o poeta de Cacela saíram a percorrer o largo e as quatro ruas do aglomerado urbano que, como alguém disse em voz alta, com piada, citando os U2, "where the streets have no names".
A partir de agora as ruas de Cacela têm nomes, topónimos que se referem a poetas de Cacela ou que escreveram sobre Cacela e ali passaram a figurar nas placas do Largo Ibn Darraj al-Qastalli e das ruas de Teresa Rita Lopes, Sophia de Mello Breyner Andresen, Abû al-Abdarî e Eugénio de Andrade.

Para o terceiro acto todos regressámos ao velho cemitério e aí, então, houve lugar à música, à poesia e até à dança.
Em árabe, rifenho (língua berbere da zona do Rif, no Norte de Marrocos, sobre o Mediterrâneo, donde provieram os antepassados de Ibn Darraj), castelhano e português, se declamaram alguns dos poemas que constam deste livro, com fundo musical da guitarra de Pepe Vela.
Houve depois lugar à música, da que permanece viva desde a fuga para Marrocos dos expulsos de Granada, os andalusinos, que ainda hoje cultivam os seus costumes, os seus hábitos, a sua cultura, com a riqueza patrimonial que nos foi dado escutar. Findou numa fusão instrumental desses instrumentos andalusinos com a guitarra, a voz requebrada e a dança sincopada do flamenco, a que se juntou a plateia com as palmas das suas mãos, numa percussão ritmada de quem não pode manter-se quieto e agradece a tarde que o poeta Ibn Darraj, que aqui viveu há mil anos, proporcionou.

quarta-feira, abril 01, 2009

Ibn Darraj, poeta de Cacela


Ahmed Tahiri, professor catedrático de História Medieval, vai apresentar o livro - Cacela e o seu poeta Ibn Darraj al-Qastalli, na História e Literatura do al-Andalus - resultado da sua investigação sobre a vida e obra deste poeta, natural de Cacela.

A apresentação do livro terá lugar no dia 4 de Abril (Sábado), pelas 16 horas, no cemitério antigo de Cacela Velha e do programa consta ainda, a partir das 17 horas, uma inauguração da toponímia de Cacela Velha - poetas que nasceram ou escreveram sobre Cacela -, leitura de poemas de Ibn Darraj, concerto de música andalusina e flamenco.

Foi-me dado o grato privilégio de ler um poema do celebrado poeta, que eu próprio verti para a nossa língua (a partir de uma transliteração do árabe para o castelhano) e que aqui transcrevo:


  • Chamam-te, escuta a sua voz.
    A vida sorri-te, bebe desse vinho e saboreia-o,
    é promessa de uma nova Primavera que chega.
    É flor que atrai
    com sua fragrância de almíscar,
    bela e sensual.
    Do seu caule de esmeralda libertam-se
    folhas de prata e pétalas de ouro
    que se entrelaçam como filamentos de seda
    e se erguem como um cálice para te brindar
    num inesgotável inebriamento.