segunda-feira, março 30, 2009

Água e jardins

Foto de António Baeta Oliveira

Esta edificação é uma peça importante do nosso património. De construção islâmica, trata-se de uma cisterna que apresenta uma sucessão de abóbadas, de forma a recolher e conduzir a água das chuvas pelos canais que assim se formam, e esconde um reservatório que até há pouco mais de uma década ainda servia como depósito de abastecimento da cidade.
Essa porta, visível na fotografia, conduz ao seu interior, no subsolo, e poderá vir, algum dia, a ser definitivamente aberta ao grande público.

Numa visita à alcáçova, no decurso de uma conferência sobre jardins islâmicos, tive o ensejo de voltar de novo a descer ao seu interior.
Nota-se a recente construção de um passadiço, em material transparente, a permitir a circulação, e é também visível a instalação de nova iluminação, com alguns focos de luz colocados abaixo do nível da água.

Foto de António Baeta Oliveira
Entretanto, à superfície, vai sendo agradável passear pela recriação destes jardins que recordam as ervas cheirosas e as árvores que os árabes nos trouxeram...

Foto de António Baeta Oliveira Foto de António Baeta Oliveira

 

 

 



... ou ficar, simplesmente, a ouvir o borbulhar da água nos canais de rega, enquanto a Primavera não se instala com as suas flores.

Foto de António Baeta Oliveira

sexta-feira, março 27, 2009

De poeta para poeta

E que me dizeis de um outro poema como o anterior, para o fim-de-semana, em que um poeta celebra outro poeta?!

  • Carlos Drummond de Andrade

    Sabe lavrar
    o vento
    onde prosperam
    o seu milho, o seu gado,
    fazendeiro do ar habituado
    ao arquétipo escrito
    da lavoura,
    meu orgulho onomástico
    deixado
    na outra margem do mar
    quando parti
    para cuidar das lavras deste lado
    e silabicamente
    me perdi.

Carlos de Oliveira
Sobre o lado esquerdo
Publicações Dom Quixote, Lisboa 1969

quarta-feira, março 25, 2009

Um poema com verde no título

Este poema que vou transcrever, de Armando da Silva Carvalho, tem como título...

  • Cesário Verde

    É cavar fundo
    absorver
    a terra
    com os poros
    da alma.

    Saborear
    o chão
    e mastigar
    de leve
    como se fosse
    açúcar.

    Ouvir
    os engenheiros
    urinar do alto
    dizendo sons obscenos
    e fazendo contas.

    E ver
    e ver depois
    o sol dos piqueniques.

    A arte
    delicada
    de chupar os ossos.

    A sede
    de lamber nos
    dedos a gordura.

    O espanto
    de trinchar
    o peito das galinhas.

    E afastar
    as álgidas fibras
    da memória.

    E contornar
    delicada-
    mente
    a infância.

    E cheirar
    os lugares
    macios.

    E pegar nos seixos
    que a solidão
    cristalizou.

    E apalpar
    as carnes
    carcomidas do tempo.

Armando da Silva Carvalho
Os Ovos D'Oiro
Publicações Dom Quixote, Lisboa 1969

segunda-feira, março 23, 2009

Um poema tenso, a amenizar

Um certo estado de espírito, também, a abrir espaço, ao fundo da página, para um poeta de que tanto gosto e que ainda aqui não constava.

  • MAPA

    I

    O poeta
    [o cartógrafo?]
    observa
    as suas
    ilhas caligráficas
    cercadas
    por um mar
    sem marés,
    arquipélago
    a que falta
    vento,
    fauna, flora,
    e o hálito húmido
    da espuma,

    II

    pensando
    que
    talvez alguma
    ave errante
    traga
    à solidão
    do mapa,
    aos recifes desertos,
    um frémito,
    um voo,
    se for possível
    voar
    sobre tanta
    aridez.

Carlos de Oliveira
Micropaisagem
Publicações Dom Quixote, Lisboa 1969

sexta-feira, março 20, 2009

Curiosidades (III)

(...) A grande questão reside na disputa milenar da cidade velha de Jerusalém pelas três religiões do Livro, particularmente pela zona que os muçulmanos designam por Nobre Santuário e os judeus por Monte do Templo.

Foto da Wikipédia

(As mesquitas distinguem-se pelas suas cúpulas, de ouro e prata)

Neste espaço concentram-se o Muro das Lamentações, o Santo Sepulcro, a Cúpula da Rocha e a Mesquita Al-Aqsa. As tradições entrechocam-se num conflito que todos conhecemos e, para lá do Muro das Lamentações, a entrada na Esplanada das Mesquitas é interdita aos judeus, por decisão do Grande Rabinato de Israel, desde 1978, porque lugar profanado, lugar do Templo de Salomão, várias vezes destruído.

Se procurarmos por "Al-Aqsa", no Google, por exemplo, é fácil deparar com páginas e vídeos que atribuem a confusão entre as duas mesquitas da imagem acima, a uma conspiração sionista.

Mas a Cúpula da Rocha é também um templo de elevada importância, porque foi erigida sobre a rocha que a tradição aponta como a rocha onde Abraão depositou o corpo de seu filho, para o sacrifício que Deus lhe pedira como teste da sua fé, e ainda como o local onde foi depositada a Arca da Aliança.

Creio que, no fundo, tudo reside no conflito que pende sobre Jerusalém e, embora se acusem os mais variados orgãos de comunicação de todo o mundo por se prestarem à maior divulgação da Cúpula da Rocha, tal não passa, na minha opinião, da proeminência desse lugar e do efeito reluzente da sua cúpula de ouro, bastante mais visível e fotogénica do que a cúpula de prata da maior mesquita de Jerusalém.

Não fora esta luta de contornos religiosos, de religiões que se reivindicam da paz, e tudo isto não passaria, como no título que atribuí a estes posts, de meras curiosidades.

quarta-feira, março 18, 2009

Curiosidades (cont.)

É de facto muito fácil identificar na foto a cidade de Jerusalém, vista a partir do Monte das Oliveiras. E o edifício da cúpula de ouro é sobejamente conhecido.

Sabemos todos que se trata de uma mesquita e já todos ouvimos falar da maior mesquita de Jerusalém, com capacidade para receber cerca de 5 mil pessoas, como o terceiro lugar mais sagrado para o islão, depois de Meca e Medina.
Alguns saberão que essa enorme mesquita foi construída no local onde a tradição conta que Maomé teria subido ao céu e conversado com Moisés e outros profetas, antes de se juntar a Deus.
Saibam também que milhões de muçulmanos por todo o mundo possuem em suas casas, em lugar de destaque, aquela ou semelhante fotografia de Jerusalém.

Mas a grande curiosidade não é essa; a real curiosidade reside no facto de que a mesquita que quase todos julgam ser aquela, eu incluído, não é a da fotografia de Jerusalém. A da fotografia é a Cúpula da Rocha e a mesquita que descrevi atrás, a maior de Jerusalém, a que muitos muçulmanos evocam quando olham uma foto como a do meu último post, é a grande mesquita Al-Aqsa, abaixo na foto, com uma cúpula de prata.

Mesquita Al-Aqsa, foto copiada a partir da Wikipédia

(Continua no próximo post)

segunda-feira, março 16, 2009

Curiosidades

É capaz de identificar a cidade e o edifício em destaque, que apresenta essa cúpula dourada?

Foto copiada a partir da Wikipédia

quinta-feira, março 12, 2009

Moçárabes

Recorte de foto com telemóvel, da ilustração que figura no boletim de inscrição para o Colóquio promovido pelo CELAS sobre os Moçárabes no Gharb al-Ândalus
Moçárabe, era a designação atribuída aos cristãos que viviam no território do al-Ândalus, ao tempo da presença islâmica no nosso território.

Sempre senti uma enorme curiosidade por esse fenómeno de convivência, tentando entender de que forma a população autóctone se foi aculturando e que importância poderia ter tido a sua existência em comunidades separadas, desenvolvendo seguramente uma cultura muito sua, propiciando, a título de exemplo, a persistência da designação de Santa Maria atribuída à cidade a que hoje chamamos Faro.

A curiosidade foi acrescentada quando tive oportunidade de ouvir e, depois ler, mais atentamente, um trabalho de Maria Alice Fernandes, professora na Universidade do Algarve e com publicações sobre a história da língua portuguesa, e de dialectologia e toponímia em contexto algarvio.
Permitam-me passar aqui um breve excerto:


  • (...)
    Os topónimos existentes em época islâmica não são necessariamente de origem árabe. Alguns radicam em nomes pré-latinos, outros, a maioria dos aqui tratados, são de origem latina. Estes últimos podem ter sido formados em períodos anteriores nas épocas romana ou tardo-antiga ou consistirem em criações toponímicas moçárabes, ou seja, atribuíveis ao romance neo-latino falado pelas populações locais submetidas ao domínio muçulmano, mas não assimiladas. (...)

Abdallah Khawli, Luís Fraga da Silva, Maria Alice Fernandes
A Viagem de Ibn Ammar de São Brás a Silves
Câmara Municipal de São Brás de Alportel, 2007

Terei agora oportunidade de satisfazer um pouco mais esta minha curiosidade, dado que no próximo sábado terá lugar em Silves, a partir das 09h30, no Auditório do Instituto Piaget, por iniciativa do CELAS (Centro de Estudos Luso-Árabes de Silves), um Colóquio - Os Moçárabes no Gharb al-Andalus. Sinais de uma cultura - com comunicações de investigadores, na sua maioria relacionados com o Instituto de Estudos Medievais, da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.

segunda-feira, março 09, 2009

A importância dos arquivos documentais


É curioso que o Marco, quase simultaneamente comigo, no seu blog - Património Cultural do Concelho de Silves, se tenha recorrido do acervo documental do Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana e, mais notoriamente da Cruz de Portugal, para se referir à importância da disponibilização pública de tal arquivo.

Também eu me centrei nas duas localizações que se conhecem para o referido cruzeiro, dando especial atenção ao estado de conservação que revela a primeira foto e realçando mais o enquadramento da segunda.

E é, seguramente, com muita curiosidade, que qualquer silvense se debruçará sobre estes dois documentos do passado.

segunda-feira, março 02, 2009

Mergulho no passado

Manuel Maia, arqueólogo,junto à porta tardo-gótica
Bairro islâmico

 


Base de torreão fenício

Um sufoco!

Em pleno centro histórico de Tavira, descer um declive de alguns metros em relação à base do castelo e atravessar as ombreiras de uma porta do séc. XVI, não é de todo surpreendente; porta entaipada por construção posterior.
Mas olhar as escavações arqueológicas, uns 3 metros abaixo do nível que pisamos, e avistarmos um bairro islâmico do séc. XI: as ruas, os muros das casas, as condutas de águas domésticas com poços de decantação, e imaginar que ali viveu gente como nós?!

E convidarem-nos ainda a descer, no interior da terra, mais alguns metros, com lanternas acesas que nos permitam ver, e depararmo-nos com resistentes muros de lama seca ao sol ou, um pouco ainda mais abaixo, largos e imponentes muros de pedra que sustentam um torreão fenício de há uma mão cheia de séculos anteriores a Cristo, é um mergulho no passado como nunca supus algum dia vir a fazer.

Foi um mergulho de mais de 25 séculos e sem "máquina do tempo", mas a imaginação voou, voou...