quarta-feira, novembro 28, 2007

Privilégios de algarvio

Vivo em Silves, mas há uns bons anos atrás "cortei relações" com o litoral agarvio, com acentuada tendência no mês de Agosto.
Vou à praia, sim, mas em locais que conheço, como indígena privilegiado, com diminuta pressão urbanística e sem o peso das multidões que aqui acorrem, ou simplesmente afastando-me para a Costa Vicentina.
Este meu desamor pelas opções massificantes do turismo (com todos os perigos que pode gerar uma economia altamente dependente), chegam ao ponto de desconhecer quase completamente a zona de Albufeira, a cerca de 20 km da cidade onde vivo, e nunca ter visitado, até há poucos dias atrás, o empreendimento da Quinta do Lago.

Quinta do Lago sobre a zona da marisma, Novembro 2007, © António Baeta Oliveira
Um Sol convidativo, em pleno mês de Novembro, e alguma curiosidade pela forma como convive um empreendimento turístico com uma Reserva Natural, como esta da Ria da Formosa, levaram-me a um passeio.
Não sei como será em Agosto, mas a simples circunstância de não ser permitido circular a velocidade superior a 50 km/h, de não ser possível ultrapassar, já que a divisória central da estrada é dividida por pinos, de ter que se confinar o estacionamento aos lugares disponíveis, levam-me a crer que as "coisas" podem ser bem melhores relativamente a outros algarves que conheço.
Direi mesmo, sem prejuízo de outros locais que possam existir e eu não conheça, que a Quinta do Lago é exemplar.
A foto acima é reveladora de um paisagem sem pressão urbanística, integrada quase na perfeição na mata de pinheiros mansos que constituem a floresta local, onde as pessoas passeiam, a pé ou de bicicleta a pedal, com o respeito que certas barreiras impõem na proximidade das zonas de sapal, onde a vida animal é intensa, ou por areais a perder de vista.
No próximo Agosto virei aqui, de novo, para testar a situação.

segunda-feira, novembro 26, 2007

sexta-feira, novembro 23, 2007

Leia comigo

Herberto Helder. Fotografia copiada a partir do sítio, na Internet, do Centro de Investigação para Tecnologias Interactivas

 


 


 


Pelo 77º aniversário de Herberto Helder (clique), leia comigo este excerto de As Musas Cegas:


  • Mulher, casa e gato.
    Uma pedra na cabeça da mulher; e na cabeça
    da casa, uma luz violenta.
    Ainda um peixe comprido pela cabeça do gato.
    A mulher senta-se no tempo e a minha melancolia
    pensa-a, enquanto
    o gato imagina a elevada casa.
    Eternamente a mulher da mão passa a mão
    pelo gato abstracto,
    e a casa e o homem que eu vou ser
    são minuto a minuto mais concretos.

    A pedra cai na cabeça do gato e o peixe
    gira e pára no sorriso
    da mulher da luz. Dentro da casa,
    o movimento obscuro destas coisas que não encontram
    palavras.
    Eu próprio caio na mulher, o gato
    adormece na palavra, e a mulher toma
    a palavra do gato no regaço.
    Eu olho, e a mulher é a palavra.

    Palavra abstracta que arrefeceu no gato
    e agora aquece na carne
    concreta da mulher.
    A luz ilumina a pedra que está
    na cabeça da casa, e o peixe corre cheio
    de originalidade por dentro da palavra.
    Se toco a mulher toco o gato, e é apaixonante.
    Se toco (e é apaixonante)
    a mulher, toco a pedra. Toco o gato e a pedra.
    Toco a luz, ou a casa, ou o peixe, ou a palavra.
    Toco a palavra apaixonante, se toco a mulher
    com seu gato, pedra, peixe, luz e casa.
    A mulher da palavra. A Palavra.

    Deito-me e amo a mulher. E amo
    o amor na mulher. E na palavra, o amor.
    Amo, com o amor do amor,
    não só a palavra mas
    cada coisa que invade cada coisa
    que invade a palavra.
    E penso que sou total no minuto
    em que a mulher eternamente
    passa a mão da mulher no gato
    dentro da casa.

    No mundo tão concreto.


Herberto Helder
(A Colher na Boca)
Ou o Poema Contínuo
Assírio & Alvim, Lisboa 2004

terça-feira, novembro 20, 2007

Passeio pela Ilha Terceira

Por muito que se saiba que se vive sobre uma falha geológica, que de vez em quando sejamos sensíveis a um outro pequeno sismo, que nos falem de tremores de terra de há uns anos atrás ou do Terramoto de 1755, creio que nada se equivale à situação de ter testemunhos diários da presença vulcânica activa, como pude aferir aqui, na ilha Terceira.

Furnas, Terceira, Açores, Nobembro 2007, © António Baeta Oliveira
Mesmo assim, com os fumos constantes, o coberto vegetal tapado de enxofre (presumo eu), a terra quente ao toque da mão, estas evidências diárias fazem parte da rotina da vida de um açoriano e são, para eles, fenómenos muito vulgares.

Já me referi ao verde, à bruma, ao mar... mas o vulcanismo só se me patenteou quando deixei os circuitos urbanos de Angra do Heroísmo e Praia da Vitória e visitei o litoral e parte do interior da ilha.
É um mimo, um primor, apreciar o cuidado que se dedica às pequenas coisas, às casinhas pintadas e arrumadas, aos "impérios" do culto do Espírito Santo, à oferta gastronómica (do marisco ao peixe e às carnes, da manteiga ao queijo, dos vinhos aos licores e aguardentes), às estradas em bom piso, aos campos verdes a perder de vista e às vaquinhas que neles pastam, e ao mar.... sobretudo ao mar.

Deixo-vos com estes apontamentos de uma visita à Ilha Terceira e com algumas fotos de Fora de Angra (clique) num passeio em todo o seu perímetro, que culmina em Praia da Vitória e Monte Brasil, já de retorno a Angra do Heroísmo.

sexta-feira, novembro 16, 2007

A memória dos lugares

Angra, Terceira, Açores, Novembro 2007, © António Baeta Oliveira

Nem o tempo nublado, a filtrar a luz solar, consegue esconder a silhueta, o colorido, a memória restaurada de uma cidade e do seu urbanismo, que a torna única no mundo, de pleno direito Património Mundial da UNESCO.

O grupo escultórico, na fotografia, pretende significar, a meu ver, esse esforço de manter na vertical, de endireitar, de respeitar, de preservar o que a acção da natureza vulcânica do lugar teima em destruir, como no último terramoto, em 1980.

O centro histórico de Angra do Heroísmo é hoje um museu vivo, a pulsar.


  • Permitam-me usar a foice na minha seara e lembrar a rua Cândido dos Reis, memória da Silves corticeira dos finais do séc. XIX e princípios de XX, que poderia, ela também, ser única no mundo, com os antigos e longos muros das fábricas de cortiça, os prédios multicores mandados construir pelos industriais e pelos seus quadros superiores (até equipamentos culturais, como o Teatro Mascarenhas Gregório), bela, longa, enfileirada, exemplar marca de um tempo e de uma civilização que fez desta terra um dos maiores pólos industriais do país. Hoje é uma rua quase completamente destruída na sua unidade e identidade pela incúria, desrespeito e acção dos Homens, que não da Natureza.


1. Sobre a cidade de Angra do Heroísmo consulte este link para a Wikipédia

2. Sobre a forma como vi e fotografei Angra do Heroísmo siga o link para Webshots

quarta-feira, novembro 14, 2007

Na Praia da Vitória, por Vitorino Nemésio

© António Baeta Oliveira

 


 


 


 


 


Este casarão, mantido de pé em respeito pelo homenageado que figura no pequeno busto, seria uma mera ruína, sem especial interesse, não fosse a ligação que mantém a Vitorino Nemésio.

Mas arrisco-me a afirmar, pelo menos assim o senti, que este casarão ganha vida e quase se consegue imaginá-lo com as suas dez janelas rasgadas sobre a sacada de rexas, depois da leitura desta placa, que não se avista na foto acima, pois fica exactamente na extremidade do edifício, sobre a esquerda (basta contar as janelas, para se entender que a fotografia não abrange o edifício por inteiro).

© António Baeta Oliveira

 


 


 


 


 


 


 


Há edifícios que valem pelo valor de um homem, pelo menos aqui e agora, na cidade de Praia da Vitória.

E não me diga que não lhe cresceu uma vontade de ler
O Mistério do Paço do Milhafre?!

segunda-feira, novembro 12, 2007

O verde, a bruma, o mar...

Algures entre Angra do Heroísmo e Praia da Vitória, Terceira-Açores, Novembro 2007, © António Baeta Oliveira
O verde, a bruma, o mar...

Sobretudo o mar, como na estrofe de um poema, de um autor cujo nome lamentavelmente acabei por esquecer, e que figurava num dos pequenos painéis de azulejo, de uma designada Rota de Poesia, numa das ruas da cidade de Praia da Vitória, que dizia assim:


O mar é a quarta parede (...)

sexta-feira, novembro 02, 2007

Por Todos-os-Santos

Em Silves é tempo da sua feira anual, a Feira de Todos-os-Santos, onde é tema recorrente o Outono, a chegada dos primeiros frios, a chuva ou a seca.
Habitualmente sempre aqui (clique) escrevo sobre a Feira, como o fiz o ano passado e em outros anos, por finais de Outubro ou inícios de Novembro, em posts que é possível encontrar nos arquivos da coluna da esquerda, com excepção feita para o ano de 2005, em que nada escrevi, talvez porque não me tivesse apetecido.
Hoje trago-vos um episódio de uma feira de há uns bons anos atrás.

Os «seringonhos» (farturas), Feira de Todos-os-Santos, Silves, Outubro 2006,© António Baeta Oliveira


  • Por várias vezes me quedei, absorto, à montra da loja, olhando aquela linda blusa de lã.
    A minha mãe, a quem revelei tal desejo, surpreendeu-me ao oferecer-ma pela véspera da Feira.
    Também terá achado linda, aquela linda blusa de lã.
    Estava um belo dia de Sol, a deitar por terra o mito de que chove sempre nesta ocasião.
    Barba feita, banho cheiroso e a linda blusa de lã, com que queria deslumbrar os olhos negros de uma namorada dos meus 18 anos.
    Parti para a feira e para o encontro marcado junto aos carrinhos de choque.
    Cheguei, perlando suor, e avistei-a, ela também com uma linda blusa de lã.
              - Tu também, querido? Em blusa de lã num dia tão quente!
              - Despimo-nos!

Deixem-me dizer-vos que aquela do "Despimo-nos!" não deve ter sido bem assim, talvez antes "Despimo-las?" ou tão só um acordo tácito perante a evidência do desconforto; eventualmente alguma cumplicidade no olhar que então trocámos.
Dado tratar-se da narrativa de um episódio passado há algum tempo, permiti-me alguma liberdade criativa. :)


Este post irá permanecer no topo da página de entrada do blog durante toda uma semana.
Ausento-me, em passeio, por Angra do Heroísmo e pela Terceira, donde conto trazer algo para contar e fotos para vos mostrar.
Até lá!