quarta-feira, outubro 31, 2007

A música e a alegria colectiva

Anonima Nuvolari, Café Inglês, Silves, Outubro 2007, © António Baeta OliveiraTarde de domingo ensolarada, em finais de Outubro; mais exactamente no último domingo de Outubro.
Pátio exterior do Café Inglês, nas Escadinhas do Castelo, à sombra do arvoredo, tendo por cenário de fundo a vetusta Sé, outrora Catedral, e a imponente muralha almóada da alcáçova do Castelo de Silves.

O público, cosmopolita, de vários pontos da Europa e do mundo, enche as mesas, ainda repletas de pratos, travessas, copos, chávenas, garrafas, guardanapos... em refeições por terminar, no intervalo das palmas, das canções gritadas a plenos pulmões, da alegria e da festa de sabor marcadamente mediterrânico.

A animação coube aos Anonima Nuvolari (clique para aceder à sua música em myspace), provenientes da sempre bela cidade de Nápoles, ao fundo da bota italiana.

concertina e saxofonecontrabaixo

 


 


 



voz
percussãoguitarra

 


 


 



Das canções populares e das canções de amor até às canções da Resistência, numa encenação de todo informal, mas onde se distingue bem a intenção e o trabalho de coordenação, os músicos encheram o pátio com a sua vivacidade, o seu humor e a sua alegria.

Você saberão o que quero significar, quando digo que há momentos tão belos e tão intensos, tão repletos de energia colectiva, de bem-estar, que por vezes damos por nós a pensar que nesse preciso momento, em qualquer parte do mundo, não haverá certamente um lugar tão aprazível como aquele onde estamos.

Sabem do que falo ou não?

Anonima Nuvolari
P.S.
Se nos confinarmos à música, faz mais pela animação cultural o David Hancock (responsável pela programação do Café Inglês) num fim-de-semana do que a monopolizadora administração local num mês inteiro.
Se alargarmos a observação a todas as outras formas de expressão, digamos que a administração local, num mês inteiro, bate uma quinzena do Café Inglês por uma margem diminuta.

segunda-feira, outubro 29, 2007

Perto dos que nos antecederam

Arrifana, Aljezur, Outubro 2007, © António Baeta OLiveira

 


 


 


 


 


Por estas paragens, face a este oceano rebelde que parece não ter fim, viveu uma das figuras mais carismáticas da nossa história - Ibn Qasi (séc. XII), monge-guerreiro, sufí, líder de um reino que se estendia até Niebla, junto às portas de Sevilha.
Perto deste local, onde bati a fotografia, construiu o seu ribat - (convento-fortaleza) - e daqui dirigiu a revolta dos muridines.
Descendente de família autóctone e poderosa, convertido ao islamismo, foi contemporâneo de Afonso Henriques, com quem estabeleceu acordos que vieram a resultar no seu assassinato, em Silves, acusado de traição.

Morgado de Arje, Portimão, Outubro 2007, © António Baeta Oliveira

 


 


 


 


 


Também Ibn Mahfot, último rei de Niebla (séc. XIII), numa extensão que incluía o termo de Silves, escolheu o local cuja vista a fotografia pretende retratar, perto da ribeira de Boina, afluente do Arade, para aí se refugiar das solicitações da corte e gozar os prazeres da Natureza e da Vida

E eu também, no âmbito do 5º Encontro de Arqueologia do Algarve, me encantei nestes locais que pude fruir na tarde e no anoitecer do passado sábado, e que tamanha nostalgia me cravaram no peito.

quarta-feira, outubro 24, 2007

Maria Keil

Fotografia recortada, a partir de uma publicação da Biblioteca Nacional Digital, referida mais abaixo no textoMaria Keil nasceu em Silves, decorria o ano de 1914.
É uma personalidade incontornável na cultura portuguesa, nomeadamente no que se refere ao mundo da azulejaria e da ilustração.


Sobre a sua vida e obra aconselho, vivamente, a referência que se segue, na Biblioteca Nacional Digital (clique), a propósito de uma sua exposição, em 2004, na Biblioteca Nacional, e onde poderá apreciar uma parte significativa do trabalho desta grande mulher.
Para a conhecer melhor, recomendo ainda a leitura da revista Noesis, nº 54 (clique), onde se publicou uma sua entrevista, realizada por José Carlos Abrantes e Dora Santos.

Porquê falar agora de Maria Keil?
Porque, mais uma vez, a administração da cidade e do concelho deixa passar a oportunidade de reforçar os laços de identidade e de coesão social, nesta malograda cidade de Silves, ao perder esta exposição, agora em Lagos, como se pode testemunhar neste artigo publicado no Barlavento (clique), a 20 de Outubro de 2007.

Silves morre, culturalmente, em cada dia que passa, tanto pelo que não se faz, como pelo que não se deixa fazer, por uma administração que sufoca a sociedade civil, ao substituir-se no seu papel.
Parece, por vezes, que age de propósito, não fosse a evidente ausência de um plano estratégico para o concelho e a visão inadequada da forma como deve incentivar as iniciativas sociais e culturais, geradoras de coesão e convivência social, numa sociedade que perde identidade todos os dias.

Não é que a exposição de Maria Keil fique mal em Lagos; talvez até fique melhor. Do que me queixo é da falta de visão estratégica e de iniciativa. A administração da cidade deveria ter sabido desta exposição, da mesma forma que Lagos o soube.

A única referência pública a Maria Keil, uma personalidade nascida nesta cidade, está patente no pequeno largo ao fundo da Praça de Al-Mu'tamid, o antigo Largo do Poço da Câmara, de que abaixo tenho uma fotografia de pormenor, de um seu painel sobre Silves, junto ao qual nem se faz referência ao seu autor (a sua naturalidade, a sua vida, a sua obra).

Pormenor do painel de azulejos, de Maria Keil, no antigo Largo do Poço da Câmara, Silves, Outubro 2007, © António Baeta OliveiraO painel assinala vários símbolos identitários, como o rio, o laranjal e a cor do grés de Silves, em pequenos azulejos de decoração geométrica e vegetalista, a evocar o seu passado mouro e o seu período mais brilhante, que é, ainda hoje, passados oito séculos, motivo inspirador de qualquer hipótese estratégica para o desenvolvimento social e económico da cidade.

P.S.
Também Manuel Ramos, no seu Saco dos Desabafos, se refere a Maria Keil, sob o título Santos-da-Casa não fazem milagres.

segunda-feira, outubro 22, 2007

Stabat Mater

Maria João Luís, © Artistas UnidosMaria João Luís, prémio da crítica para a melhor interpretação feminina, esteve no CAPa, em Faro, com Stabat Mater, do italiano Antonio Tarantino, numa produção de Artistas Unidos e encenação de Jorge Silva Melo.
Num registo dramático de desespero e desesperança, ela traz-nos, viva, a pulsar como uma chaga purulenta, a história da vida de uma mulher na miséria e na profunda solidão, como só se atinge no âmago de uma grande cidade.
Usa uma linguagem dura e um gesto rude, agressivo, com que se fere e nos fere na sua crueza tão real.
O que nos revela é uma história cíclica, sem continuidade nem regresso, de uma mulher, mãe solteira, e dos seus preconceitos, arrumados e definitivos, catalogados, repletos de xenofobia, de racismo, de defesa contra a agressão social.
É a história da miséria humana, tentando sobreviver, nos escombros de uma sociedade que recorre aos organismos estatais de assistência e a instituições religiosas de apoio para descansar a nossa consciência.

Na página de apresentação deste seu trabalho, Jorge Silva Melo respiga um poema do poeta Gomes Leal (1848-1921), a que não resisto trazer-vos aqui:

  • Eu vejo-a vir ao longe perseguida
    como de um vento lívido varrida
    cheia de febre, rota, muito além…
    – pelos caminhos ásperos da História –
    enquanto os reis e os deuses entre a glória
    não ouvem a ninguém.

    Ela vem triste, só, silenciosa,
    Tinta de sangue, pálida, orgulhosa,
    Em farrapos na fria escuridão…
    Buscando o grande dia da batalha.
       É ela! É ela! A lívida Canalha!
       Caim é vosso irmão.

    Eles lá vêm famintos e sombrios,
    Rotos, selvagens, abanando aos frios,
    Sem leite e pão, descalços, semi-nus…
    (…)
    São os tristes, os vis, os oprimidos
    (…)
    São os párias, os servos, os ilotas
    Vivem nas covas húmidas, ignotas
    (…)
    Eles vêm de muito longe, vêm da História.
    Frios, sinistros, maus como a memória
    Dos pesadelos trágicos e maus.
    (…)
    Vêm uns ecos perdidos de batalha
    Como uns ventos do norte impetuosos
    - são os passos, nas trevas, vagarosos
    Os passos da Canalha.


Gomes Leal
A Canalha


Nota:
Curioso ter ficado a saber que os Artistas Unidos estarão em Silves, a 17 de Novembro, com a peça Music-Hall, no Teatro Mascarenhas Gregório, num momento em que nada se sabe de um teatro já inaugurado, em vésperas de eleições, para logo a seguir fechar as suas portas, já lá vão mais de dois anos, e cuja justificação já foi evocada pelos mais variados e desconcertantes motivos.
Esperemos que seja desta vez e, felizmente, pelo menos a meu gosto e meu aviso, pelos Artistas Unidos.

quarta-feira, outubro 17, 2007

Parabéns, poeta!

Esta será a 83ª vez que Ramos Rosa cumpre o seu aniversário.

Para os que não sabem ou os que duvidam que ele tenha nascido neste meu Algarve, confirmem-no, na leitura deste seu poema:

  • Terraço Aberto

    Terraço aberto
    aos ventos e aos astros
    crivado
    das balas de frescura
    das ranhuras do sol

    muros
    onde vejo dedos
    muros fraternos
    de meus ossos

    aqui respiro
    através das flores
    da chaminé
    nos planos brancos
    nos montes azulados
    nas velas brancas
    nas areias douradas

    aqui respiro
    a claridade


António Ramos Rosa
Quinze Poetas Portugueses do Século XX
(Selecção e Prefácio de Gastão Cruz)
Assírio & Alvim, Lisboa 2004

segunda-feira, outubro 15, 2007

Em Cacela-a-Velha, sobre o mar

Cacela Velha, Outubro 2007, © António Baeta Oliveira

Em cada dia e para cada lugar, num determinado momento de tempo, o Sol cede à Lua o seu direito ao firmamento.
Há lugares, porém, onde o desacordo gera um hiato de poder ou um poder comum em que se não distingue o mando.
Aí, então, há uma paragem no tempo, em que se instala o vazio e o silêncio.
Os Homens são sensíveis à angústia do momento e invadidos por uma nostalgia tão profunda que, não raro, vertem lágrimas que não são de choro, nem de riso.
Eu sei de um lugar onde tal sucede a cada ocaso - em Cacela-a-Velha, sobre o mar.

P.S.
Se tiver interesse em ver mais fotos do lugar, clique em Cacela Velha

quarta-feira, outubro 10, 2007

Dissimulação

Algar Seco, Carvoeiro, Outubro 2007, © António Baeta Oliveira

  • Dissimulação

    Os que parecem pescar, debruçados
    nestas falésias sobre o mar, dissimulam
    o apelo irresistível do

    s i l ê n c i o

    e a vertigem dos grandes

    e s p a ç o s

    na busca da parcela, que lhes cabe,
    do todo do

    i n f i n i t o.

segunda-feira, outubro 08, 2007

Verso Vão

O Mar, Carvoeiro, Setembro 2007, © António Baeta Oliveira
  • Verso Vão

    Onda de sol, verso de ouro,
    perífrase vã. Extasiar-me,
    antes, por esta fusão,
    mistura de brilhos. Ou, ainda
    mais íntima, a consciência
    extensa como o céu, o corpo de tudo,
    semelhança absoluta. Respirar
    na quebra da onda. Na água,
    uma braçada lenta
    até ao limite de mim.

Fiama Hasse Pais Brandão
Arómatas & Ecos
Obra Breve
(Poesia Reunida)
Assírio & Alvim, Lisboa 2006

quarta-feira, outubro 03, 2007

Por terras de Almodôvar

Continuação...

Museu da Escrita do Sudoeste, Almodôvar, Setembro 2007, Foto com a câmara do telemóvel Pois foi em busca de novos testemunhos, para além dos que já conhecia no meu concelho, que me desloquei a Almodôvar, em dia muito chuvoso, de modo que esta foto do exterior, batida com a câmara do telemóvel, não faz jus à apresentação do edifício do Museu da Escrita do Sudoeste, aberto ao público por ocasião das Jornadas Europeias de Património.

Museu da Escrita do Sudoeste, sala do rés-do-chão, Almodôvar, Setembro 2007, © António Baeta OliveiraPermito-me assim introduzir uma segunda foto, esta agora já no interior do edifício, sobre o salão do rés-do-chão e incentivar-vos a uma visita, logo que o museu abra definitivamente as suas portas e vos surja uma oportunidade.

Mas o meu passeio não se confinou à visita do Museu. Visitei ainda algumas outras localidades do concelho e assisti à actuação de corais femininos do cantar alentejano, como sucedeu em Nossa Senhora dos Padrões e onde me encantei em duas imagens de Maria, de produção popular e provavelmente local; uma ternura!

Igreja Matriz de Santa Cruz, Almodôvar, Setembro 2007, © António Baeta OliveiraOutra surpresa boa foi a de encontrar, isolado nas proximidades de uma pequena aldeia, um templo quinhentista, de três naves, com uma capela-mor que apresenta vestígios de frescos nas paredes, e outras capelas de decoração vegetalista - a Igreja Matriz de Santa Cruz.


Senhora da Lapa, Santa Cruz, Almodôvar, Setembro 2007, © António Baeta OliveiraNa vizinhança daquele templo, a poucos passos, sobre um arroio de água límpida, uma pequena ermida, dedicada à Senhora da Lapa e que, a meus olhos, me pareceu um morabito, uma referência de religiosidade própria dos povos berberes e aqui adaptada a templo cristão. Sobre a direita, ligeiramente elevado, um local pintado a cal; restos de alguma fonte extinta ou de gruta que a erosão varreu, e que um popular me descreveu como o sítio onde apareceu a Santa.


Mas a grande e definitiva surpresa ocorreu na Matriz de Santa Cruz, o já referido templo manuelino, pelo cair da tarde, bem longe do mundo urbano e dos seus ruídos, num momento de fruição quase mágico, ao ouvir os primeiros acordes de música antiga de referência mediterrânica, superiormente bem interpretada, ao som da harpa, do fagote, do alaúde, da flauta, da percussão e da voz feminina.

Matriz de Santa Cruz e Grupo musical Azizi, Almodôvar, © António Baeta Oliveira
Foi uma Jornada de Património a perdurar na memória.

P.S.
Se estiver interessado em ver mais fotografias sobre esta jornada de Almodôvar, onde se incluem as referidas imagens de Maria e os frescos da capela-mor, clique em Escrita do Sudoeste e Almodôvar

segunda-feira, outubro 01, 2007

A nossa primeira escrita

A Estela do Guerreiro, Almodôvar e Museu da Escrita do Sudoeste, Setembro 2007, © António Baeta Oliveira

A escrita do Sudoeste, de há mais de dois mil e quinhentos (2500) anos, é a primeira escrita que se conhece no território a que hoje chamamos Portugal.
Se bem que ainda por decifrar, no seu sentido mais amplo, conhecem-se no entanto os sons representados nos seus símbolos (porque língua fonética) pela semelhança que apresentam em relação à escrita dos fenícios (no actual Líbano), povo de marinheiros e comerciantes, com quem os povos que aqui viveram bem antes de nós se relacionavam e com quem estabeleceram laços de intercâmbio.

A feitoria fenício-púnica, hoje destruída, do Cerro da Rocha Branca, junto a Silves, e que terá estado na origem da nossa cidade e na origem do próprio topónimo, Cilpes, foi um desses portos de comunicação com o Mundo Mediterrânico.

Os testemunhos encontrados dispersam-se ao longo das principais vias de comunicação da época (1ª Idade do Ferro), os cursos de água, - Sado, Mira, Odelouca, Arade, Foupana, Vascão, Oeiras - em torno de um ponto central, que coincide com o lugar de maior número de testemunhos encontrados, situado no que é hoje o concelho de Almodôvar.
Daí que se justifique plenamente a criação deste Museu da Escrita do Sudoeste, que agora abriu ao público no contexto das Jornadas Europeias de Património, e de cuja colecção destaco a pedra sepulcral que se pode ver na fotografia acima e que ostenta a figura de um guerreiro, muito possivelmente representando o próprio homem cuja sepultura se pretendeu assinalar.

A continuar...