terça-feira, maio 31, 2005

O Cavaleiro da Águia (II)

São muitas e variadas as referências a esta minha terra no mais recente romance histórico de Fernando Campos, cuja leitura aconselho a todos os que apreciam este género literário. Não vou maçar-vos com mais extractos, para além deste que vos trago hoje, que recria, em prosa, conferindo-lhe um particular sabor descritivo, a célebre Evocação de Silves, de Al-Mu'tamid, dirigindo-se a Ibn 'Ammar, a quem acabara de nomear Governador de Silves:

  • "- Quando lá chegares, saúda por mim as margens do Arade, o arvoredo onde cantam rouxinóis e pintassilgos. Saúda os jardins amáveis e os pomares perfumados. Pergunta-lhes se têm tantas saudades de mim como eu deles. Saúda o palácio dos balcões que jamais poderei esquecer. Tantos valentes leões dos meus exércitos, tantas doces gazelas do meu harém. Salões, sombras e brandas penumbras, meu grato refúgio entre rotundas ancas opulentas, cinturas de vespa, túrgidos bustos... trago nas mãos, na pele do corpo, a memória de maciezas e humidades íntimas, moças cor de neve, cor de ébano... agudas brancas espadas de ponta sangrenta os seios, a trespassarem-me a alma, as negras lanças do triângulo dos seus púbis, a amável tenaz de braços e pernas. Noites e noites permanecia eu na mansa enseada das águas, enredado nas guerrilhas do amor, ondeava-lhe o corpo como os volteios do rio, como o ondular do tempo a escoar-se. Ela deitava-me vinho na taça de oiro, o vinho dos seus olhos na taça do coração, tomava um trago e dava-me a beber da sua boca. Soavam-me as cordas do alaúde a tendões cortados por fina adaga. Pouco a pouco desnudava-se e ia revelando o lustroso do ventre... galhinho de salgueiro a desabrochar seu botão e enfim a abrir a flor em esplendor e rescendência..."

Fernando Campos
O Cavaleiro da Águia
DIFEL, Algés, Maio de 2005

segunda-feira, maio 30, 2005

O Cavaleiro da Águia

Estou a ler O Cavaleiro da Águia, de Fernando Campos. Trata-se de um romance histórico sobre Gonçalo Mendes da Maia e, como diz o autor, «... não esquecendo os graves problemas que hoje se levantam entre o mundo cristão e o mundo árabe, quis dar um sentido universal à (minha) visão dos dissídios entre os homens. E, na sociedade peninsular dos séculos XI e XII, a par dos horrores da guerra entre Cristãos e Árabes, entre cristãos e cristãos e entre árabes e árabes, há exemplos de compreensão e humanidade, de harmonia, alianças, casamentos com geração. (...)».

É claro que num romance histórico sobre esta época, em território que é hoje Portugal, é quase inevitável referir-se Silves ou alguns dos seus mais ilustres filhos.
Quero deixar-vos um belo extracto, a propósito de um banquete de despedida que Al-Mu'tamid, rei de Sevilha, teria oferecido a García, rei da Galiza, que ali se havia refugiado na sequência dos litígios entre os herdeiros de Fernando Magno. Gonçalo Mendes da Maia, que com os seus cavaleiros se tinha deslocado a Sevilha para acompanhar o Rei García de volta à Galiza, ficara sentado ao lado de Buthayna, filha do rei anfitrião, nascida em Silves:

  • "(...) E o coração de Gonçalo palpita mais depressa, de trote, entra em galope desenfreado. Não é o diadema de fina renda de pedras preciosas, é a noite do cabelo a cair em cachos rolados sobre os ombros macios; não é o brilhante na testa de ouro, é o poço dos olhos; não são os brincos de diamantes, mas o recorte, o acetinado da orelha; não é o colar de pérolas, antes o torneado do colo; não é o alfinete de prata a fechar o decote, mas sim o leite entrevisto do busto; e os braços roliços e as mãos esguias e a ânfora do corpo e o perfume a sândalo que dela exala..."

Fernando Campos
O Cavaleiro da Águia
DIFEL, Algés, Maio de 2005

sexta-feira, maio 27, 2005

Um Cont(inh)o

Hoje, divulgando o projecto acima - A Casa das Mil Portas - trago-vos o meu primeiro micro-conto (cerca de 50 caracteres):


  • O olhar toldou-se. O dia-a-dia ofuscava-lhe o regresso.

quarta-feira, maio 25, 2005

Mértola islâmica

Festival Islâmico, Mértola 2005, © António Baeta OliveiraFestival Islâmico, Mértola 2005, © António Baeta OliveiraFestival Islâmico, Mértola 2005, © António Baeta Oliveira

É certo que estes recantos de Mértola nos sugerem lugares de gosto oriental, árabe e islâmico.

Festival Islâmico, Mértola 2005, © António Baeta Oliveira
É certo que a fortaleza, lá em cima, no alto, dominando a vila, testemunha a presença dessa civilização islâmica que nos precedeu e o herói, em estátua, tem um nome que não sabemos bem como pronunciar.


É certo que houve um Seminário Internacional, de divulgação de estudos e trabalhos sobre esse mundo distante e sua influência sobre o povo que somos hoje. Que o riquíssimo espólio do Museu Islâmico atesta a presença de gente que aqui viveu, trabalhou e amou. Que aí se visiona um vídeo que ilustra a semelhança de procedimentos que se identificam no fabrico do pão, na produção cerâmica, no amanho da terra, entre as gentes de Xauen (Marrocos) e de Mértola.

É certo que houve lugar para conferências, exposições, palestras, lançamentos de revistas que aprofundam o conhecimento desse mundo e desse tempo.

É certo que esta vila se projecta a partir da divulgação do seu património e atrai um turismo cultural que tem uma importância inegável na economia desta terra e da sua gente.
Festival Islâmico, Mértola 2005, © António Baeta Oliveira
Mas também é certo que a grande atracção do Festival Islâmico de Mértola, que aqui arrasta multidões, não reside na identificação das semelhanças, no entendimento de que essa herança contribuiu profundamente para o que somos hoje, mas antes na dissemelhança, na diferença, no exotismo:
nos bazares de rua com as cores vivas que não ousamos usar; nas vestes e nos trajes estranhos e desadequados à nossa vida de todos os dias; nas fragrâncias e perfumes que nos surpreendem e não reconhecemos; na música, de tonalidades, timbres, ritmos, cadências e escalas que não nos são comuns; nos paladares da harissa, dos cominhos e doutras ervas aromáticas e na combinação de sabores, produtos, tempos de cozinhar, apetrechos, que nos proporcionam refeições de sabor diferente; no artesanato dos metais, das madeiras, das cerâmicas, dos tecidos cuja estética nos perturba; nas orações e rezas colectivas com rituais que não são os nossos.

Mas também é certo que, se esta atracção e apreço pelo conteúdo mais folclórico ou mais exótico não altera as reservas mentais sobre o mundo muçulmano ou os mitos históricos que estão na base da afirmação da nossa nacionalidade, estes festivais geram uma empatia natural que pode servir de base à aceitação do que é estranho, do que é diferente... do outro.
Pode servir o entendimento e a aproximação dos povos. Pode servir a PAZ.

terça-feira, maio 24, 2005

Mértola mediterrânica

Mesquita de Mértola, Maio 2005, © António Baeta Oliveira

Branco sobre azul. O beiral e a cal. A igreja, outrora mesquita, e o céu de cá como o de lá. Algum desleixo no contributo do verde, sobre o telhado. Mértola mediterrânica.

Através da Rua da Judiaria soube de alguns poemas de Ibn Sara, na tradução de Teresa Garulo e fixação para português de Luís Carmelo.
No contexto, muito provável, do Vale do Tejo, em Santarém, estes poemas ficam bem nesta predisposição mediterrânica e andalusina:
                  - As laranjas
                  - Tarde no rio
                  - A Braseira

segunda-feira, maio 23, 2005

O encanto de Mértola

Mértola, Maio de 2005, © António Baeta Oliveira

Mértola tem um encanto difuso, como o da mulher muçulmana que esconde, veladamente, a beleza que os seus olhos não conseguem iludir.

O link que se segue remete para algumas das fotos que tirei durante a minha ida, na passada semana, ao Festival Islâmico de Mértola.

sexta-feira, maio 20, 2005

Um Conto (VI)

  • Ao amor não interessa o sexo

    Jorge sentia-se bem a mergulhar naqueles olhos. Baixou a vista para não incomodar. Tentou de novo. Era simplesmente irrecusável não tentar. Era uma exigência interior, hipnótica, que não podia suster e aceitava docemente.
    Na mesma mesa, agora, entre outros amigos e amigas que sabia ali, mas cuja presença só detectava longinquamente, como num cenário de enquadramento para duas personagens:
                - «Sou Jorge!»
                - «Sou Marina!»
    Depois da urgência do beijo, da pressa da roupa, a pele. Aquela pele na sua pele.
    A pele!
    O diálogo e a descoberta das afinidades.
    O amor, cumprido o desejo.



    João sentia-se bem a mergulhar naqueles olhos. Baixou a vista para não incomodar. Tentou de novo. Era simplesmente irrecusável não tentar. Era uma exigência interior, hipnótica, que não podia suster e aceitava docemente.
    Na mesma mesa, agora, entre outros amigos e amigas que sabia ali, mas cuja presença só detectava longinquamente, como num cenário de enquadramento para duas personagens:
                - «Sou João!»
                - «Sou Mário!»
    Depois da urgência do beijo, da pressa da roupa, a pele. Aquela pele na sua pele.
    A pele!
    O diálogo e a descoberta das afinidades.
    O amor, cumprido o desejo.



    Joana sentia-se bem a mergulhar naqueles olhos. Baixou a vista para não incomodar. Tentou de novo. Era simplesmente irrecusável não tentar. Era uma exigência interior, hipnótica, que não podia suster e aceitava docemente.
    Na mesma mesa, agora, entre outros amigos e amigas que sabia ali, mas cuja presença só detectava longinquamente, como num cenário de enquadramento para duas personagens:
                - «Sou Joana!»
                - «Sou Márcia!»
    Depois da urgência do beijo, da pressa da roupa, a pele. Aquela pele na sua pele.
    A pele!
    O diálogo e a descoberta das afinidades.
    O amor, cumprido o desejo.


P.S.
Remeto-vos, à distância de um click, para o vídeo da mais recente campanha de MAKEPOVERTYHISTORY. Visite depois o site, clicando na faixa branca do canto superior esquerdo, neste mesmo blog.

quarta-feira, maio 18, 2005

Um animal virtual

Apresento-vos o


adopte também um animal virtual

Hoje, depois do jogo, vou "entrar em estágio".
Irei também ausentar-me. Viajo até ao Festival Islâmico de Mértola. Fica garantido o conto de sexta-feira, mas enquanto o aguardam podem brincar com o lony. Ele reage aos movimentos e aos cliques do rato. Insistindo nos cliques podem até fazê-lo perder o equilíbrio.






Ainda deixo esta outra sugestão, via Klepsýdra. Basta clicar sobre o cartaz. Aconselho.




terça-feira, maio 17, 2005

Nem tudo são flores e odores

Conversávamos entre amigos e referíamos, sem discordância, que Silves parecia querer mudar por finais da década de 90, mas que apresentava de novo sinais de um total marasmo; de ausência de um projecto de desenvolvimento económico e social e de uma estratégia para o aplicar. Dizíamos que a sociedade civil agonizava e a autarquia chamava a si todas as iniciativas, abafando, em vez de incentivar e promover, tudo o que parece mexer-se nas redondezas.

Nem tudo são flores e odores. Ainda por estes dias a Manuela, de Dias com Árvores, numa publicação em Naturlink, lá mesmo no fim do artigo, perguntava se já floriam os jacarandás do Castelo de Silves.

Castelo de Silves, Outono 2004, © António Baeta Oliveira
Olha, Manuela! O castelo parece em obras, mas depois do derrube das árvores e nesta desolação, as obras estão paradas e os jacarandás...

P.S.
Apesar do benfiquismo exaltado em post do passado domingo, em tom de proclamação pontifical, não posso deixar de me congratular, não pela vitória de tal Benfica, mas antes pela passagem de vinte e quatro meses de escrita bloguítica, das melhores que se fazem em Portugal. Um abraço ao Almocreve das Petas.

segunda-feira, maio 16, 2005

A face insondável do céu

Ibn Sara, de Santarém, viveu ao tempo de Al-Mu'tamid e soube da sua queda, na sequência da chegada dos almorávidas. É um dos mais apreciados poetas do seu tempo. Morreu em Almeria, tendo conhecido todo o Al-Ândalus.
Pôr-de-sol na Ria Formosa, Inverno de 2004/05, © António Baeta Oliveira


  • imagina-nos
    na aragem cuja face se distende
    ao sol que lentamente se afunda.

    leva-nos uma barca
    vela panda na viração ligeira,
    qual jovem grávida,
    sobre um rio:
    espelho puro, como o paraíso
    onde se reflecte a face insondável do céu.

Adalberto Alves
O meu coração é árabe
Assírio & Alvim, Lisboa 1999

sexta-feira, maio 13, 2005

Um Conto (V)

  • Eu vi com os meus olhos. Tenho a certeza

                - «Off side! Fora de jogo!» - gritou o Carlos.
                - «Fora de jogo?» - interrogou o Luís.

    Apesar de uma amizade fraterna, indesmentível, sempre assim fora. Tinham diferentes pontos de vista.
    Quando acabaram o Liceu rumaram a outras paragens, carregando muitos anseios e demasiadas certezas.
    O Carlos é hoje um homem que está de bem consigo próprio, apesar de há alguns anos ter sofrido um terrível desastre de automóvel que o privou da visão. Um transplante oportuno e feliz, de um dos olhos, devolveu-lhe a vista.

    O Luís foi um amigo inseparável à cabeceira do enfermo e um companheiro de todas as horas durante a sua convalescença.
    Conversando, outro dia, num dos seus regulares encontros, dizia o Carlos:

                - «Eu perdi os olhos, ganhei um que não é meu, mas continuo a ver o mundo da mesma maneira; à minha maneira. Tenho a certeza de que sempre assim será.»

    Retorquiu o Luís:

                - «Eu vou gastando o olho em leituras e vejo sempre o mundo de maneira diferente. Já nem sei se me resta alguma certeza.»


quinta-feira, maio 12, 2005

Presa do Padre Pedro

Presa do Padre Pedro cumpre hoje um ano de vida.

Conheci o José Carlos Barros (jcb), a sua escrita, em Um pouco mais de Sul, num registo quente, mediterrânico, tão ao jeito destas terras do Algarve, a Sul. Reconheci-o depois em Presa do Padre Pedro, no tom meditativo, saudoso das suas memórias de juventude em terras de Trás-os Montes, a Norte.

Há alguns posts atrás jcb adoptou a simbiose destes dois estados de espírito a que a vida o conduziu.

© José Carlos Barros© José Carlos Barros
Fotos de jcb

É do jcb, dessa simbiose, mesmo antes da sua assunção, de quem eu falava há cerca de um ano em Há património nas palavras de "jcb":
  • Não é uma obrigação, antes a satisfação de um desejo que se cumpre na leitura dos escritos do jcb, que ali quase diariamente me deixa, para que as colha, pequenas sínteses de vivências com sabor a poesia.
    Este fim-de-semana, mais exactamente no domingo à tarde, fiquei preso por longo tempo num seu poema, daqueles que ele nos deu a conhecer e que sentimos correr como a água de que falam, que tratam pelos seus nomes os animais e as árvores, que evocam utensílios que vão perdendo o uso, que arrastam aromas de ervas de que se fazem chás ou mezinhas e paladares esquecidos nos muros brancos, abandonados, que demarcavam quintas onde havia dessa água, dessas árvores, desses cheiros e sabores que quase só restam na memória.

Se quiserdes conhecer o poema a que faço referência, é só clicar aqui.

Um grande abraço, Zé Carlos!

quarta-feira, maio 11, 2005

Casimiro de Brito premiado em Itália


Prémio Aleramo-Mário Luzi para
Casimiro de Brito
.

Libro delle Cadute foi considerada a melhor obra poética estrangeira publicada em Itália em 2004.

Saiba mais sobre este prémio em Muita Letra.

Nota:
Aqui, no Local & Blogal, Casimiro de Brito é o poeta mais citado. Pode conhecê-lo melhor através de alguns dos seus escritos ao fundo desta página, em Poesia de outros Poetas, procurando Casimiro de Brito, que se encontra por ordem alfabética.

terça-feira, maio 10, 2005

Maio e seus odores

Silves, Maio 2005, © António Baeta Oliveira
Ainda não possuo a tecnologia necessária para recolher e difundir o cheiro da flor da laranjeira, que se começa a sentir e em breve invadirá a cidade, inebriando as noites e adocicando os dias.

Posso no entanto contribuir com sugestões dos aromas das rosas em muro de antiga quinta ou dos amores-perfeitos em pleno ambiente urbano, intercalados por esta profusão de verde sobre a avenida.

Silves, Maio 2005, © António Baeta OliveiraSilves, Maio 2005, © António Baeta OliveiraSilves, Maio 2005, © António Baeta Oliveira

segunda-feira, maio 09, 2005

Maio e as flores

Largo do Município, Silves, Maio 2005, © António Baeta OliveiraLargo do Município, Silves, Maio 2005, © António Baeta OliveiraLargo do Município, Silves, Maio 2005, © António Baeta OliveiraLargo do Município, Silves, Maio 2005, © António Baeta Oliveira

Maio é tambem a exuberância da roupagem das árvores, do verde das folhas à variada paleta de cor das flores suspensas dos ramos ou já fenecidas, cobrindo o chão, nas calmas e prazenteiras praças da minha terra, brincando com os ocres das paredes de pedra, o branco caiado das alvenarias e o azul brilhante do céu.

sexta-feira, maio 06, 2005

Um Conto (IV)

  • Ressaca

    Conhece aquela sensação de que se tem uma cabeça enorme; como na ressaca de uma noite em que se bebeu demais? - perguntou-me.
    É isso. Isso e a batida ritmada, a ressoar, ao longe. E o meu corpo a reagir, a acompanhar aquele beat, feito função vital do meu próprio ser.
    Os movimentos lentos, como se flutuasse num meio aquático.
    E uma inquietação, uma carência permanente de qualquer coisa indefinível. Por vezes, também, uma embriaguez que percorre o corpo, como um caldo morno, apaziguando os sentidos, relaxando.
    Ainda sem assumir consciência deste universo comecei a sofrer, a espaços cada vez mais insistentes, uma acção que me era exterior. Como que o efeito de um vómito no estômago. Dolorosamente a esmagar, a contorcer, a empurrar, a expelir.
    Subitamente um ligeiro alívio, interrompido por uma forte dor no peito, a rebentar, e uma luz, muito clara e violentamente intensa, no meu olhar.

    Sabe. Aquelas chapadas para recobrar os sentidos?
    Aplicaram-me uma no rabo.
    Ouvi então uma voz grave, calma, bem audível, dirigida a alguém na minha frente, que me soou a algo totalmente incompreensível.

    Contou-me minha mãe, mais tarde, que essa voz lhe teria dito:
                - «Parabéns! Tem aqui um belo e robusto rapaz».


Lentamente, o ABRUPTO


Lentamente, dia após dia, já lá vão quase vinte e dois (22) meses, comecei a ler o ABRUPTO e até hoje continuo a lê-lo:                        ...M'ESPANTO ÀS VEZES , OUTRAS M'AVERGONHO ...
Foi o primeiro blog que conheci e nesse mesmo dia iniciei o meu próprio.

Hoje, ABRUPTO completa dois anos de vida.

PARABÉNS A VOCÊ!

quarta-feira, maio 04, 2005

Maio e a nostalgia do mundo rural

Ainda na sequência do que aqui se disse sobre o mês de Maio e os "maios" da casa rural da Quinta Pedagógica, quero deixar-vos algumas fotos que lá tirei por ocasião da já referida Batida Fotográfica dedicada à Serra de Silves.
Revisito as minhas memórias de menino onde a água, agora canalizada, era então servida em cântaros; havia leitos de ferro, pintados de branco e sobre as mesas-de-cabeceira mantinha-se o cocharro, junto à bilha de água, e o despertador, de tecnologia mecânica da época; o penico e o tapete de retalhos coloridos, sob o leito.

Quinta Pedagógica da Serra de Silves, Abril 2005, © António Baeta OliveiraQuinta Pedagógica da Serra de Silves, Abril 2005, © António Baeta OliveiraQuinta Pedagógica da Serra de Silves, Abril 2005, © António Baeta Oliveira

Ainda os utensílios de costura; as maçarocas de milho e as quartas e os alqueires para a medição dos cereais e das leguminosas secas; os apetrechos indispensáveis ao transporte do leite e ao fabrico do queijo.

Quinta Pedagógica da Serra de Silves, Abril 2005, © António Baeta OliveiraQuinta Pedagógica da Serra de Silves, Abril 2005, © António Baeta OliveiraQuinta Pedagógica da Serra de Silves, Abril 2005, © António Baeta Oliveira

Casa rica esta, de agricultor de medianas posses, nada comparável aos pequenos casebres, de chão de terra batida e telhados de cana e telha dos pequenos proprietários ou dos que se ocupavam das ricas e requintadas quintas dos grandes proprietários de então.


terça-feira, maio 03, 2005

Maio e os maios

Quinta Pedagógica da Serra de Silves, Abril 2005, © António Baeta Oliveira

A foto documenta a reprodução de uma casa algarvia, serrana, na sala de entrada da Quinta Pedagógica da Serra de Silves, que recentemente serviu de sala de recepção aos participantes na 4ª Batida Fotográfica APARTE/Racal Clube, ocasião em que bati a fotografia, e foi, neste 1º de Maio, o local de convívio proposto aos cidadãos pela Junta de Freguesia (em Silves o 1º dia de Maio é tradicionalmente comemorado no campo, petiscando caracóis).
Os dois figurões sentados ao fundo são dois bonecos, designados por "maios", que se construíam no 1º de Maio de cada ano, simulando visitantes, com quem partilhávamos os "queijos" de figo e nos saudávamos com um cálice de aguardente de medronho (evocação que aqui recordo numa transcrição de um texto de Rosa Dias, em Um pouco mais de Sul).
Desconheço qual a origem desta tradição e o seu profundo significado, para além do relacionamento com o equinócio da Primavera ou, ainda, com a deusa romana da fertilidade, donde se diz que provém o nome deste mês.
Recordo, de criança, a curiosidade que sempre despertava a maia ou maios do professor Samora Barros. Ricamente vestidos, eram colocados a uma das janelas do seu solar, na margem esquerda do Arade, frente à ponte, e todos os queriam apreciar.
A minha mãe sempre os construíu e mesmo eu os fui fazendo ao longo de alguns anos, durante a infância de minhas filhas.

P.S.
No dia em que publico este post, 3 de Maio, é tempo da Feira das Cruzes, uma feira tradicional, praticamente em vias de extinção, cujas designação e origem me proponho sempre investigar em cada ano que passa e acabo por esquecer. Alguém avança uma sugestão?

segunda-feira, maio 02, 2005

Saudando o mês de Maio

  • Canção de Maio

    Em certos dias maio
    é um touro de chuva
    e o lume dum raio
    atravessa uma nuvem

    Porém rapidamente
    acaba a trovoada
    e uma névoa quente
    sai da terra molhada

    Em terra corre o touro
    que de maio é o signo
    e de tarde o besouro
    ao calor zune estrídulo

    Num muro branco voga
    paciente o caracol
    como alguém que se afoga
    num mar com muito sol


Gastão Cruz
Rua de Portugal
Assírio & Alvim, Lisboa 2002