sexta-feira, fevereiro 27, 2004

Não está certo. Não é justo!

Em qualquer estação do ano, da Primavera ao Inverno, nublada ou exposta a um sol quase tropical, esta minha terra, quando se avista da margem esquerda do Arade, surpreende sempre, pelo matizado das cores reflectidas no branco da cal, dos ocres ao vermelho achocolatado da pedra das suas muralhas ou da sua alcáçova, também ainda pela forma como se espraia colina acima.

Hoje, depois da chuva, e no momento preciso em que passeava, encaminhando-me para a velha ponte, vindo da margem esquerda do rio, as nuvens cederam perante a insistência do Sol à aproximação do meio-dia.

Uma luminosidade extremamente viva e a transparência de uma atmosfera como que acabada de ser lavada pela própria chuva, revelavam aquela imagem que há tanto procuro.

Não trazia a máquina fotográfica comigo, mas deparei-me com um turista, que provavelmente nunca antes estivera em Silves e que poucas horas iria aqui permanecer, a registar na sua câmara escura aquele momento sublime que eu não pude guardar.

    - Não está certo. Não é justo!

quarta-feira, fevereiro 25, 2004

BookCrossing



Este sinal pode provocar uma actividade literária inesperada.
Saiba como e porquê, clicando aqui.
Aqui também, em português.

segunda-feira, fevereiro 23, 2004

Música

E o Carnaval fez-se música!
Nos links, à direita, aí está a minha COTONETE, Rádio Blogal.
Se bem que ainda em fase de definição, já podem ouvir Bill Evans ou Saint-Saens, entre outros.

quarta-feira, fevereiro 18, 2004

Foi por isso, certamente

Dizia ontem que não tinha ainda deslindado que outras coisas mais me valeram a citação que Casimiro de Brito fez de Sollers.
Talvez tenha encontrado a resposta noutro poeta algarvio, Ramos Rosa.


  • Por vezes de um poema concluído
    subsiste um aroma frágil instantâneo
    que acende sobre nós uma ingénua estrela
    que ilumina os nossos gestos
    e aligeira os passos sobre as pedras claras


António Ramos Rosa
A Intacta Ferida
Relógio d'Água, Lisboa, 1991

terça-feira, fevereiro 17, 2004

Na barca do coração

Pelo título, se é que já vos habituei, sabeis que se trata do "diário" de Casimiro de Brito no ano 2000.

Com data de 17 de Fevereiro:


  • Uma frase inspirada vale mais do que um livro. Esta, de Sollers, para nos dar a imagem de um belo dia: "os peixes devem estar felizes." Fecho o livro e pego nela, na frase, tão leve, como se fosse uma concha volátil. Levo-a para o parque.


Levei-a comigo também, a passear, junto ao rio. Quando voltei, valeu este post e terá certamente valido outras coisas mais, que ainda não deslindei.

Levem-na também convosco; pode vir a valer alguma coisa.

segunda-feira, fevereiro 16, 2004

Evolução civilizacional

No último post, a propósito de Ibn Badrun e da circunstância de em Silves ter estudado filologia e outros estudos literários, há 800 anos atrás, coisa que agora não poderia fazer, um dos amigos que os blogs me fizeram conhecer, de Um pouco mais de Sul, num comentário irónico, dizia que isso se tratava de "evolução civilizacional".

Como nos entendemos, JCB!

Acabara eu de ler Uma deusa na bruma, de João Aguiar, Edições ASA, romance histórico cuja acção decorre em terras de Entre-Douro-e-Minho, em meados do séc. II a.C.. Venho comentando com outros amigos, estes agora "ao vivo e a cores", a forma como fiquei impressionado ao sentir-me tão próximo dos primitivos homens da Idade do Ferro na sua relação com a vida: os laços familiares, a educação, a amizade dos pais, dos amigos, a adolescência, o amor, o trabalho, as responsabilidades do dia-a-dia, a solidariedade. Senti-os bem próximo do que ainda somos hoje e foi fácil mergulhar na ambiência da minha cidade, recuando 800 anos. Também me perguntei se, entre os que me lêem, alguém sentiria algo mais do que a simples referência ao tempo, porque só eu sabia da energia contida por detrás de uma frase tão comum. Seria possível detectá-la sem acesso à expressão de um pequeno brilho no olhar, à denúncia de um ligeiro rito, incontido, num canto da boca?

Vou fugir um pouco a esta sequência de ideias, mas não resisto a contar-vos o episódio de uma conversa havida entre o "herói" deste romance e um homem que voltara à terra depois de anos de escravatura entre os romanos: não suportava aquela crueldade e a forma como subjugavam povos para suprir as necessidades da sua civilização, mas referia-se a uma lei escrita, como um contrato social, e falava sobretudo da escrita, ela própria, que lhe abrira os olhos à fantasia, permitindo-lhe entender mais profundamente a realidade, e pela qual roubou o seu amo antes de fugir - trouxe consigo a "Odisseia".
Imaginam a perversão destas ideias na mente deste "herói", ainda muito jovem!?

Regressando agora ao parágrafo interrompido. É curioso como apesar deste avanço tecnológico e dos progressos que facultam o seu acesso a cada vez maior número de pessoas, nós continuemos sempre os mesmos, impulsionados pelas coisas mais simples, quando não pelas mais mesquinhas.
É inquietante verificar que este acesso ao conhecimento e à fruição do bem-estar, que antigamente se apoiava no que chamamos escravatura, hoje se apoie no que chamamos terceiro mundo.

sexta-feira, fevereiro 13, 2004

Ibn Badrun, de Silves

Ibn Badrun é natural de Silves e embora se desconheçam as datas do seu nascimento e da sua morte, sabe-se que era vivo em 1211 e que nesta cidade se dedicou a estudos filológicos e literários, coisa que hoje não poderia fazer, quase oitocentos anos depois.

Neste seu poema fala-nos de...

  • O AMOR

    o amor é feito de prazer:
    então vive de beijos e abraços.
    depois chega a hora de sofrer:
    palavras amargas seguem nossos passos
    e nos apartamos, como quem vai morrer.
    Mas ah!, se no amor não mais acreditasse
    melhor fora que minha vida se acabasse!


ALVES, Adalberto
O meu coração é árabe
Assírio & Alvim, Lisboa 1998

quinta-feira, fevereiro 12, 2004

500 anos de Foral Manuelino

Espero que na sexta-feira passada (6 de Fevereiro) não tenha sido dado o mote das comemorações dos 500 anos da Carta de Foral de D. Manuel a Silves.
Recebi com entusiasmo a notícia do empenhamento da autarquia em comemorar este acontecimento, símbolo do reconhecimento do direito à cidadania, renovado por D. Manuel, depois do anterior foral de D. Afonso III. Terei sido até dos primeiros a manifestar publicamente a adesão a tal comemoração, ao inserir no Guia da Cidade de Silves uma miniatura da Carta de Foral e legenda alusiva.
Aprestei-me a comparecer à cerimónia de abertura das comemorações, como aliás é meu procedimento em relação à grande maioria dos eventos culturais que têm lugar em Silves.
Quinhentos anos depois do reconhecimento real da cidadania dos residentes sou confrontado com coisas que me desgostaram:

  • Uma Comissão de Honra na qual, salvo a Sra. Presidente da Câmara (que nela não deveria figurar, porque organizadora), não consta nenhum outro natural ou residente desta cidade. Quinhentos anos depois do reconhecimento da capacidade do exercício do poder local dos residentes de Silves por D. Manuel, esta atitude de distanciamento face à capacidade de outras personalidades locais em assumir um lugar em tal comissão.

  • Um grupo de música de câmara lançando a sua música para o ar, no meio de uma algazarra de pessoas que se encontravam, trocavam cumprimentos e partilhavam conversas; mero objecto decorativo, pois não lhe foram proporcionadas condições para uma audição que respeitasse o seu esforço, o seu trabalho e a sua função.


  • Um aglomerado inusitado de pessoas, o que deveria ser motivo de regozijo, mas que suscita estranheza relativamente a outros acontecimentos culturais anteriores, que não costumam concitar tanta gente. Foi, seguramente, uma aposta da organização, ao convidar um palestrante espectacular, uma figura da televisão, paradigma cultural do nosso tempo. Já previra que tal viesse a acontecer.


  • Um atraso de mais de uma hora devido ao arrastar da jantarada do poder, bem revelador de uma falta de respeito significativa pelos cidadãos.


Depois disto, não fiquei para a palestra. Também já previra como iria ser.

Soube depois, pelo Diário de Notícias, que se falou de mouras encantadas (também poderiam ser príncipes, reis, heróis ou outras fantasias "históricas", tão ao gosto do público, como se costuma dizer); descreveram-se barcos de alto calado exportando minério proveniente do Alentejo, ao tempo dos romanos, nesta inverosimilhança da travessia da serra algarvia, com a cidade de Myrtilis (Mértola) e o Guadiana bem mais perto; falar da Silves romana como uma grande cidade, quando praticamente não há testemunhos arqueológicos de importância no perímetro do que é hoje a nossa urbe; referir os figos como último recurso para a satisfação da sede, durante o cerco da cidade pelos cristãos do Norte, ao tempo da conquista de D. Sancho I; sugerir a descoberta dos alicerces do Palácio das Varandas, quando os arqueólogos que aí trabalharam se limitam a designá-lo como Palácio Almoada; aconselhar que Silves se assuma como grande centro de arte islâmica (que arte islâmica?), como forma de promoção turística...
O repórter do DN deve ter ouvido mal e ouvido pouco :-), pois nem sequer menciona o período manuelino e a própria Carta de Foral.
Já agora, apetece perguntar onde pára a Carta de Foral e se há intenção de a expor durante este tempo de comemorações. Ou será que é preciso rodeá-la de fantasias e mostrá-la na televisão para que passe a ter valor (ou passe a ser das coisas que o público gosta)?

P.S. Como o artigo a que me refiro, publicado no Diário de Notícias, em breve deixará de estar online, proponho que os interessados possam aceder a este outro lugar.

terça-feira, fevereiro 10, 2004

Estava em falta com João de Deus

Estava em falta com João de Deus, um dos mais brilhantes líricos da poesia portuguesa, natural de São Bartolomeu de Messines, no concelho de Silves.
Vejam como nos fala, quase brincando com as palavras, desta coisa efémera, sem a qual nada somos e a que chamamos...


  • A Vida

    A vida é o dia de hoje,
    A vida é ai que mal soa,
    A vida é sombra que foge,
    A vida é nuvem que voa;
    A vida é sonho tão leve
    Que se desfaz como a neve
    E como o fumo se esvai;
    A vida dura um momento,
    Mais leve que o pensamento,
    A vida leva-a o vento,
    A vida é folha que cai!
    A vida é flor na corrente,
    A vida é sopro suave,
    A vida é estrela cadente,
    Voa mais leve que a ave:
    Nuvem que o vento nos ares,
    Onda que o vento nos mares,
    Uma após outra lançou,
    A vida - pena caída
    Da asa de ave ferida -
    De vale em vale impelida
    A vida o vento a levou!

segunda-feira, fevereiro 09, 2004

Ainda o "meu diário" de Casimiro de Brito

Com data de 8 de Fevereiro (de 2000):

  • Angola, Balcãs, Corno de África, América do Sul... Raramente as guerras se travam entre os bons e os maus. São, quase sempre, disputas entre diabos e demónios, entre a escumalha política que mantém o mundo em chamas, entre comedores de diamantes e bebedores de petróleo. Para essa gente, o genocídio, que praticam em público, e o canibalismo, que em privado praticam, são rotinas de massacre entre muitas outras de igual perversidade. E os outros, os menos lascados, os que usam e abusam dos casos da democracia, aceitam, em nome de uma pretensa "política real", o mal de uns, que consideram menor em relação ao mal dos outros. O menor é sempre, para estes fantoches da democracia, o mal dos que lhes compram (armas, palácios, tecnologia) e lhes vendem (as matérias-primas, o sangue dos seus súbditos). (...)

Casimiro de Brito
Na Barca do Coração
Campo das Letras, Porto, 2001

Alargando mais ainda o espaço geográfico de referência do primeiro período do texto, adaptando-o à realidade deste início de 2004, apetece comentar: Realmente, tem havido grandes progressos!

sexta-feira, fevereiro 06, 2004

Em que ficamos!?

George Bush e Tony Blair já mandaram investigar as provas que justificaram a sua participação na guerra do Iraque; as da existência de armas de destruição maciça.
Em Espanha, Aznar, nega-se a investigar tais provas.
Por aqui não se investiga, não se nega a investigação, não se presta contas pela decisão do nosso envolvimento.

Virtudes da democracia à portuguesa?!

quinta-feira, fevereiro 05, 2004

Reagindo ao desafio do Bloguítica

Pelo andar da minha carruagem e pelo que observo do andar de outras carruagens, mais ou menos próximas do meu circuito "bloguítico", quer-me parecer que, em Fevereiro de 2005, muitos de nós ainda por cá andarão, se bem que em blogs colectivos, tentando libertar-se de um "compromisso" cuja regularidade pesa no dia-a-dia.
Entretanto a blogomania terá atingido larga expressão junto dos utilizadores da linguagem cifrada, tipo SMS, invadindo as janelas de comentários. Muitos blogs colectivos passarão a ser blogs de edição, tentando evitar uma intromissão indesejada, pelo ruído introduzido na comunicação.
Bjs pa vcs.

quarta-feira, fevereiro 04, 2004

Desafio do Bloguítica

Solicita o Bloguítica, no seu post [326], de 3 de Fevereiro, a divulgação de um seu desafio:

    Num texto entre 50 e 125 palavras, deverão descrever como é que acham que será a blogosfera portuguesa daqui a um ano.
    Todos os artigos que receber bloguitica@hotmail.com serão publicados no Bloguítica na próxima segunda-feira. A identidade do autor (e o nome do blogue se tiver um) será revelada ou não, dependendo da vontade do mesmo.

terça-feira, fevereiro 03, 2004

Convívio e amizade no Desporto

A propósito dos acontecimentos "desportivos" em cada fim-de-semana (ia dizer desta última semana), cito Tiago Barbosa Ribeiro em Sous les pavés, la plage!:

    "Num país que excede em relvados o que falta em tectos escolares, compreende-se onde está o vírus desta selvajaria."

segunda-feira, fevereiro 02, 2004

Tal filho, tal pai

Com a relativamente recente aquisição da 3ª edição de O meu coração é árabe (Assírio & Alvim), de Adalberto Alves, descobri que o poeta Ibn al-Milh, de Silves (séc. XI), de quem já aqui havia colocado um poema, se chama Abu-l-Qasim Ibn al-Milh.
É filho de outro Ibn-al-Milh, também de Silves, de nome Abu Bakr Ibn al-Milh, de quem vos trago hoje um poema.

  • De Abu Bakr Ibn al-Milh

    dizem que te esqueci!
    sabes bem, não é verdade!
    és a minha Lua eterna
    és a minha Lua Cheia.
    alguma vez, por acaso,
    foste a minha meia-lua?