sexta-feira, outubro 31, 2003

A Feira de Todos-os-Santos


  • Fernando

    Já chegaram duas pistas de carrinhos. Uma delas é enorme e comprida, curvando nas pontas. Há também uma pista de aviões, mas é igual à do ano passado. O carroussel é o Flecha de Prata; o carroussel Oito, este ano, só deve ir à feira de Portimão. Chegou também um circo muito grande, com animais selvagens, mas ainda não sei o nome porque a placa não foi montada até à hora de me vir embora. Já era quase de noite e sabes como é a mãe quando chegamos depois de anoitecer. O comboio fantasma é novo e tem uns bonecos pintados que até metem medo. O poço da morte é diferente do que vimos em Alcantarilha; é uma esfera e mudou de nome para Esfera da Morte. Há ainda uma barraca com umas bruxas pintadas, deve ser para ler a sina.


Lembras-te Fernando!?

O Fernando, meu irmão, vive na Escócia e gosta de vir a Silves pela Feira; porque lhe dá mais jeito ou por nostalgia. Irei inquiri-lo sobre isso esta noite, quando chegar com os seus dois rapazes, já bem crescidos.
A Feira de Todos-os-Santos era a maior atracção do ano ao tempo da minha infância. Pouco me importava com as tendas de fancaria, o que queria saber era dos divertimentos, embora retenha saudosas lembranças das louças de barro, dos cobres, das castanhas assadas, dos colares de bolotas, das nozes, dos seringonhos (farturas), do cheiro a bacalhau assado (o cheiro gorduroso do frango enjoa-me). Ah! E o cheiro dos sapatos e das botas de couro!
As primeiras feiras de que me lembro eram na Cerca da Feira. Entrava-se pelo lado do Jardim, através de um arco, que ainda existe, iluminado feéricamente, pelo menos aos meus olhos de garoto. Hoje a Cerca da Feira, ainda assim se chama, embora a placa a designe com outro nome qualquer, é um bairro habitacional, com uma escola de 2º e 3º ciclos e uma creche. Era um enorme espaço, devoluto todo o ano, onde gastávamos os sapatos a jogar futebol. A feira passou depois para o largo junto ao rio, ali ao Pego do Pulo, espraiando-se pela avenida, e ainda se realizou durante alguns anos no local onde foi uma fábrica de cortiça, depois a sua ruína, mais tarde um terreiro e agora o Largo de Al-Mu'tamid.
Voltou de novo para as proximidades da Cerca da Feira, mas junto ao rio. Irás ver esta noite.

Hoje não entendo que atracção produz a Feira. Os divertimentos estão aí a toda a hora, restaurantes abundam, o comércio paralelo, (que ao tempo não tinha roupa de marca), está aí em cada mercado, mas nem imaginam a quantidade de gente que inunda a cidade por esta época. É tal a confusão e a barulheira que há anos que lá não ponho os pés. São mesmo milhares e milhares de visitantes. É, ainda hoje, o acontecimento que mais gente traz a esta terra.

Desta vez trouxe o meu irmão e os meus sobrinhos e, por eles, estarão também os meus outros irmãos, o Zé e a Corina, com os seus filhos. Virão também os meus herdeiros, salvo a Joana que está longe, em Oxford, mas que deve estar a roer-se de inveja.

Do que poderia hoje falar o meu post?!


quarta-feira, outubro 29, 2003

O mar, em Sophia de Mello Breyner

Secundando A aba de Heisenberg e a sua bela homenagem a Sophya de Mello Breyner Andresen, por ocasião da atribuição do Prémio Rainha Sofia, com uma transcrição de um excerto do conto A Menina do Mar, vou também eu trazer-vos um poema, sobre o mar:
O mar, em Quarteira, num fim de tarde de Outono, © António Baeta Oliveira


  • MAR

    De todos os cantos do mundo
    Amo com um amor mais forte e mais profundo
    Aquela praia extasiada e nua,
    Onde me uni ao mar, ao vento e à lua.


ANDRESEN, Sophya de Melo Breyner
MAR, poesia
Editorial Caminho, Lisboa 2001

terça-feira, outubro 28, 2003

O vinho, em Omar Khayyam

O vinho, para além do amor e das rosas, é dos temas favoritos de Omar Khayyam no seu Robaiyat.

É esse vinho, de Omar, que vos trago hoje:


  • O vinho é o mágico filtro
    da alegria e da saúde
    em seus eflúvios benditos
    voltarás à juventude.
    Dedica esse vinho róseo
    ao sorrir de uma donzela:
    a taça - repara bem -
    semelha-se aos lábios dela!


segunda-feira, outubro 27, 2003

Noites mais longas

A despedida de uma amiga, que se vai ausentar por longo tempo, foi motivo para um jantar de amigos em noite de mudança horária.
Francamente, eu já sabia. É inevitável. Há sempre alguém que insiste e consegue confundir outros, que à partida não tinham esse parecer:

    - Então as noites não vão ser mais longas? Como é que se retira uma hora?
ou, de outros, já convencidos:
    - Acrescenta-se é uma hora, para a noite ficar maior.
    - Retira-se uma hora, mas a noite fica maior na mesma porque se aproxima o Inverno e o Sol anda mais afastado.
Felizmente, a minha amiga merecia mais do que isto neste jantar e a discussão pouco durou.
Tarde na noite, mesmo sem comprovação da hora a mais ou da hora a menos, tivemos oportunidadade de verificar que a noite foi bem mais longa e o amanhecer sempre difícil.
Até breve Isabel!


sexta-feira, outubro 24, 2003

Silves conjuga-se em tempo de Outono

Este meu texto é dedicado ao mais outonal dos blogs que conheço.
Little Black Spot, pairando sempre numa inconsistência nebulosa, iria dizer nocturna, mas antes crepuscular, quando tudo se parece esvair num adormecimento doce, lento, quente. Há também sempre presente a solidão, talvez melhor, uma ausência, que parece desejar-se permanente, continuada, alimentando o sonho de um dia que não acaba e resta, eternamente, à espera de um novo sol que não virá.

No Algarve o Outono chegou mais tarde. Só agora começam a reunir-se as marcas que um dia me sugeriram o texto que hoje quero oferecer à autora de Little Black Spot - "um ponto negro emerge da escuridão":


  • As minhas mais remotas memórias dos primeiros tempos da minha adolescência, quando já me começo a reconhecer como um rapazinho, têm o cheiro da terra molhada após as primeiras chuvas, o aroma da azeitona a caminho do lagar, os odores da castanha assada ou do óleo das "farturas", envolvidos no bulício e nas novidades da Feira de Todos-os-Santos, o prazer de ficar na rua a brincar e ser surpreendido pela noite, que chega mais depressa, a magia do acender da iluminação pública... tudo como se o tempo parasse, se suspendesse e eu me quedasse num limbo, numa outra dimensão.


quinta-feira, outubro 23, 2003

Abu Al-'Abdari

Ainda em torno dos poetas de Cacela, ao tempo do Al-Ândalus, escolhi um poema de Abu Al-'Abdari (séc. XI), cuja temática faz lembrar Omar Khayyam, o poeta persa contemporâneo deste homem de Cacela e de quem venho divulgando algumas das quadras do seu Robaiyat.



  • COMO AQUELAS taças pesavam
    Quando vazias até nós vieram...
    Depois ficaram quase esvoaçantes
    Mal o vinho dentro lhes puseram:
    Como corpos que mais leves se volveram
    Ao habitá-los almas crentes.


ALVES, Adalberto
O meu coração é árabe
Assírio & Alvim, Lisboa 1987

quarta-feira, outubro 22, 2003

Ibn Darraj

Prometi há algum tempo ao José Carlos Barros, de Um pouco mais de Sul, que antes ainda de percorrer todos os poetas silvenses ligados à civilização do Al-Ândalus, traria a este blog Ibn Darraj al-Qastalli (de Cacela), que alguns, segundo Adalberto Alves, afirmam ser de Jaen (Qastalla).

Pondo de lado as polémicas sobre a sua naturalidade, deixem-me contar-vos que depois de alguma hesitação na escolha, optei definitivamente pelo poema que se segue:

  • TIVEMOS,
    Em vez de uma longa vida de doçura
    A travessia de vales e montes lamacentos;
    Em vez de noites breves sob os véus
    O temor da viagem no seio de infindável treva;
    Em vez de água límpida sob sombras
    O fogo das entranhas queimadas pela sede;
    Em vez do perfume errante das flores
    O hálito esbraseado do meio-dia;
    Em vez da intimidade entre ama e amiga
    A rota nocturna cercado de lobos e de génios;
    Em vez do espectáculo de um rosto gracioso
    Desgraças suportadas com nobre constância.


ALVES, Adalberto
O meu coração é árabe
Assírio & Alvim, Lisboa 1987

terça-feira, outubro 21, 2003

Mais, de Omar Khayyam

De Omar Khayyam, autor do Robaiyat, que aqui vos trouxe no passado dia 16 de Outubro.

Tão simples, como só os grandes poetas sabem fazer.


  • Pouco desejo no mundo,
    sou fácil de contentar:
    pão, água fresca, uma sombra
    e a luz do teu lindo olhar...


segunda-feira, outubro 20, 2003

KIP

No escuro, enquanto entramos e procuramos o nosso lugar, uma mulher, jovem, com um vestido "de noite" cor de cereja, dança.
Esta é a imagem que o rapaz que a amava quis guardar para si; ela morreu, vítima de violência gratuita, perpetrada pela personagem central deste peça (KIP), inspirada no tiroteio do liceu americano de Columbine.

A cena, completamente despida, num cenário de negro, ilumina-se lentamente, enquanto actores transportam uma mesa e duas cadeiras. KIP deita a sua cadeira, senta-se e inicia perante o indivíduo à sua frente, que o interroga, uma batida no chão, ritmada, como a batida de um coração, usando o desiquilíbrio da cadeira, provocado pelo movimento do seu corpo.
Pára e o silêncio que se instala é invadido pelo lento ruído do precipitar da água vertida de um jarro para um copo, de vidro.

Descrevo pequenos apontamentos de encenação que geram a presença de uma violência incómoda, que se instala, sem que qualquer acto de violência tenha sequer tido lugar.

Esta é a marca de uma encenação de rigor, de Pedro Alves, do teatromosca, servida por um seguro grupo de intérpretes, apresentada este fim-de-semana no CAPa (Centro de Artes Performativas do Algarve), em Faro.

Sobre a violência, sobre a solidão, onde a morte parece surgir inevitável, sem tentar encontrar explicações fáceis na ambiência familiar, na sociedade, na adolescência, abrindo-nos um largo espectro de opiniões vindas da irmã, da mãe, do pai, dos amigos, das vítimas, dos amigos e familiares das vítimas, do interrogador, do próprio KIP.

Um apontamento final.
Uma peça de teatro como esta, a que raramente teremos oportunidade de assistir na nossa região, mereceu a presença de cerca de 50 espectadores. Passou ao lado da grande maioria dos residentes algarvios.
Citando um amigo meu, que ontem me acompanhou a Faro e ao CAPa:

  • " Eu acredito que as pequenas manchas de utopia que ainda matizam a nossa sociedade são espaços de criação, de reflexão e de liberdade. "


sexta-feira, outubro 17, 2003

O APARTE/Racal Clube

APARTE/Racal Clube, Silves
Ainda não tinha tido ensejo de vos falar do APARTE.

Com diversos tipos de experiência, em variadas formas de expressão, um grupo de silvenses resolveu, o ano passado, sensivelmente por esta mesma época do ano, unir esforços em torno da animação cultural.
O Racal Clube, associação local que a seu tempo ganhou alguma notoriedade com a realização do Rallye do Algarve e, mais tarde, com a organização do Congresso do Algarve, mantinha inactiva uma ampla sala no rés-do-chão da sua sede, no Edifício Racal.
Propôs este grupo de amigos a utilização daquele espaço para um projecto, a desenvolver nas vertentes da produção, da formação e da dinamização culturais, na perspectiva da formação artística das pessoas que viéssemos a envolver, na dinamização de iniciativas artísticas e culturais e na divulgação de produções de outros intervenientes.
Ao longo de cerca de nove meses de trabalho (último trimestre de 2002 e dois primeiros trimestres de 2003) houve lugar à formação, produção e dinamização na área do teatro, assim como recebemos produções do Ideias do Levante e do Sin-Cera, Grupo de Teatro da Universidade do Algarve.
Produziram-se duas Batidas Fotográficas e consequentes exposições, no Outono e na Primavera, com a realização de uma conferência sobre "Fotografia e Estética".
Houve lugar à música, à poesia e ao conto, ao cinema, com um ciclo sobre Jim Jarmusch, exposições de artes plásticas com um convite a alguns alunos de artes e recebemos jovens que, pela primeira vez, se nos propuseram expor.

Hoje à noite retomaremos a actividade, abrindo o espaço APARTE às sextas à noite, no que designámos como Sextas APARTE, apresentando um excerto significativo do prestigiado 29º Salão de Arte Fotográfica do Algarve, uma organização do Racal Clube. Haverá lugar a uma breve animação em torno do que chamámos Inauguração da Placa, com a presença do Secretário do Estado a que isto chegou.

Será o pontapé de saída para mais três trimestres de actividade, que ambicionamos venham a ser mais profícuos ainda do que o que conseguimos o ano passado.

Aqui fica o convite para uma visita, às Sextas, ou para uma proposta de iniciativa(s), que apreciaremos com o maior gosto.


quinta-feira, outubro 16, 2003

Robaiyat


Omar Khayyam, poeta persa do século XI, cantor do amor, do vinho e das rosas de Khorassan (sua província natal), é o autor de Robaiyat (quadras).
A existência do Robaiyat chegou ao meu conhecimento através de Samarcanda, uma obra de Amin Malouf, que o meu amigo Manuel me tinha emprestado.
No decurso de conversas tidas com o Manuel e outros amigos e amigas, a este propósito, uma delas descobriu, entre os livros do seu sogro, uma velha edição, de 1926, traduzida por Gomes Monteiro. Recuperei-a para oferecer ao Manuel, em duplicado, por necessidade de composição e pensando guardar um exemplar para mim. Essa amiga solicitou outros e outras para a produção de uma encadernação, forrada a veludo, em cuja capa foi colocado um bordado, a ponto de cruz, produzido expressamente para o livro (notem-se as referências gráficas ao vinho, ao amor e às rosas).
O produto final foi oferecido ao Manuel, pelo seu aniversário e, numa outra ocasião festiva, que não recordo qual, recebi eu um idêntico exemplar, elaborado a partir das páginas duplicadas a que atrás me referi e que me tinham dito ter ficado danificadas durante o corte na guilhotina.
Já lá vão quase dez anos sobre estes acontecimentos, que agora recordo com saudade e emoção.

Pensei trazer a este blog alguns destes poemas, mas a minha ligação ao livro é de tal modo afectiva que não resisti a contar a história que envolve o seu conhecimento e a sua posse.

Deixo-vos hoje com duas quadras, do 1º capítulo, dedicado às Rosas de Khorassam.


  • A pé! porque a manhã clara
    já deu sinal de largada
    às estrelas sonolentas
    com a sua funda doirada.



    E o Caçador Oriental
    - vede - prendeu, mesmo agora,
    o mirante do sultão
    no róseo laço da aurora.

quarta-feira, outubro 15, 2003

De novo, a praxe

Há algum tempo, talvez demasiado cedo, antes das aulas terem começado, abordei este assunto em Ainda há quem ache graça à praxe?, secundado por A Sombra, num texto de Rui Semblano, sob o título Praxes.
Entretanto, muito mais intervenções foram surgindo.

Hoje li um conto, o que faço praticamente todos os dias, no local que à frente vos irei apontar, cujo tema remetia para a questão que hoje aqui me traz.
Em Abram os Olhos, sob o título Os Idiotas, Hugo fala-nos de M. e dos momentos do seu primeiro encontro com esta personagem. A sua leitura é indispensável para a compreensão do porquê desta minha abordagem, mas não resisto à transcrição deste pequeno excerto de Os Idiotas


  • (...)
    "Gostaria de encontrar M. e, desta vez, descobri-lo com as mãos à vista e os ombros preenchendo o tamanho do casaco. Perguntar-lhe-ia o que ganhou em desfilar, durante todo dia, atado a outros estudantes. Ou o que lhe valeu ser obrigado a gozar com os alunos que não tinham – como ele – entrado no ensino público. Se não me respondesse, eu chegar-me-ia à frente. É que, anos depois, a estupidez e a inutilidade parecem-me imutáveis. Esse é um problema de algumas tradições, prolongam-se por demasiado tempo, opõem-se ao progresso, existem apenas por existirem, mesmo que não nos levem a lado algum."


terça-feira, outubro 14, 2003

Este poema é para ti

Saudando simpatias e reciprocidades, nomeadamente as mais recentes, de Fernando Viegas, no Almariado, de Paulo César, na Aba de Heisenberg, de Francisco Viegas, em Aviz e ainda, de Madrid, com os olhos repletos de Picasso, Goya, Saura, Tàpies e Manet, a Sara Xavier, de Linha de Cabotagem.
A cada um de todos os outros que regularmente me visitam ou que por aqui passarão alguma vez, um pequeno excerto de Ibn 'Ammâr, de Silves:


  • (...)

    Este poema é para ti,
      Como um jardim que a brisa visitou
      Sobre o qual repousou o orvalho da noite
      Até que o ataviou de flores.
      Do teu nome fiz-lhe uma veste de ouro.
      Com o teu louvor derramei o melhor almíscar.
    (...)


ALVES, Adalberto
O meu coração é árabe
Assírio & Alvim, Lisboa 1987

segunda-feira, outubro 13, 2003

Voltei acelerado

Isto é uma coisa inusitada.
Regresso em alta velocidade e banda larga, rato e teclado sem fios, com bytes disto, megas daquilo e gigas de não sei que mais, que até tenho medo de me estampar antes de iniciar a corrida.
Eu sei que sentiram muito a minha intermitência e depois a minha ausência, porque o site meter vai contando as entradas :-), mas o meu novo computador só chegou na Sexta-feira e até hoje houve que personalizar, restaurar o indispensável, adaptar às velhas referências e gostos do patrão e deixar passar a meia-noite, para se permitir um ar actualizado, com a data de Segunda-feira.
Com toda esta aceleração também deveria aparecer com novas ideias, outras capacidades, mas dessas coisas não consegui encontrar no mercado. Apesar do vosso desespero por tão longa ausência, terão que se contentar com o habitual.

Saúdo, com imenso atraso (à velocidade dos blogs), a simpatia de José Carlos Barros, em Um pouco mais de Sul, que me dedicou um belo poema: Tudo nos pertence.
Tudo nos pertence, meu amigo, quando o olhar sabe regressar às marcas que o tempo deixou.
Um abraço.

Amanhã será dia de novo poema, pois o último irá sair da página.


terça-feira, outubro 07, 2003

Como os que... escondemos longe da vista...

Não sou católico, nem tão pouco religioso. Com dificuldade ser-me-ia possível entender a persistência, a quase teimosia, do Papa em ocupar um lugar de tamanha exigência, não tanto pela idade, mas antes pelo seu aspecto dolorosamente débil. Com maior dificuldade conseguiria comprender que esta permanência derivasse de um desígnio divino. Não consigo mesmo ultrapassar a minha dificuldade em entender a situação, mas fiquei extremamente sensibilizado com a imagem a que Francisco Viegas, em "OS PORTUGUESES ACHAM QUE", "colou" a imagem deste velho senhor, alertando a consciência da sociedade em que vivemos.
Francisco Viegas desculpar-me-á a transcrição de um parágrafo do seu texto:


  • " Há, naquela figura doente, gasta, frágil, a marca de uma humanidade difícil, o gesto desse derradeiro esforço em sobreviver. Não é agradável, essa imagem - é o retrato daqueles que escondemos longe da vista, em lares, hospitais, na sombra, na escuridão. O Papa deu-lhes um rosto, o seu. E lembrou o rosto de todos os outros, que estão na escuridão. "


segunda-feira, outubro 06, 2003

Lamentos bloguíticos

Ainda em intermitência por mais uns dias, vou tendo acesso, de vez em quando, ao mundo dos blogs (ninguém sossega com uma "coceira" destas).

Assisto à liquidação de A Formiga de Langton, um dos meus blogs de leitura diária, cujo eventual desaparecimento havia já comentado e que num dos seus últimos posts tinha procedido a uma generosa lista de prémios que incluía o Local e Blogal com o prémio da Melhor indignação, atribuído a uma minha entrada de 27 de Setembro, sob o título A pseudo-científica astrologia paga com o dinheiro dos contribuintes.

Lastimo ainda o desaparecimento de Amostra de Arquitectura, outro dos meus blogs de referência, que também tinha "premiado" o Local e Blogal, ao citar um dos meus escritos, sob o título Fruir a Cidade.

A perda destes dois blogs limita-me os horizontes habituais e fico sinceramente sentido com o seu desaparecimento.


quinta-feira, outubro 02, 2003

A anedota "política" e sua função social

Há um novo "môce" de Silves nos blogs, que hoje post(ou) em O cão do Guedes a propósito de "Às segundas ao sol", um filme de Fernando Léon de Aranoa. Refere um diálogo entre dois russos, depois da queda do Muro de Berlim, relatado por uma das personagens do filme (um desempregado do norte de Espanha, de nacionalidade russa):


  • - Sabes o que me entristece, é saber que tudo aquilo que eles falavam sobre o comunismo era mentira.

    - A mim, sabes o que me entristece mais, é saber que tudo aquilo que eles falavam do capitalismo é verdade.

Não vi o filme, desconheço-lhe o contexto e o que vou dizer não tem nada a ver com o "môce" que escreve n'O cão do Guedes, (sei que ele sabe do efeito maniqueísta do "tudo aquilo" e do acriticismo típico de "uma no cravo, outra na ferradura"). O que vou dizer não tem mesmo sequer nada a ver com a "anedota" em causa, mas sim com o que ela me suscitou.
Há um indistinto ELES que permite diversas leituras, mas mesmo que não houvesse, haveria sempre leituras diversas; nós lemos com a nossa cabeça e não com os nossos olhos e, felizmente, cada um de nós tem uma cabeça que é só dele.
As anedotas de coloração política, de que não gosto, fazem sempre lembrar-me as piadas "políticas" das Revistas ao tempo do Salazar, que ainda hoje se utilizam nesses circuitos do entretenimento, mormente nas estações de rádio e de televisão, por vezes ainda com alguns dos velhos actores ou dos seus herdeiros. O seu efeito social, embora de elevada repercussão, é praticamente nulo, embora tenha permitido a muitos desses actores e autores se arrogarem, depois, como grandes lutadores pela liberdade (se bem que alguns tenham sofrido na pele pelas suas tomadas de posição políticas).

Se a crítica era dirigida à sovinice salazarista, o público ria, é verdade, mas lá no fundo acreditava nos valores da poupança, da contenção, da defesa do produto nacional, tão vendidos pela propaganda do tempo e que se escutam ainda hoje, amiúde, mesmo por gerações posteriores ao tempo da ditadura.
Se a piada era dirigida às perseguições, às prisões políticas, o público ria, muitas vezes sem entender o arrojo da denúncia, porque lá no fundo, o Salazar era o pai, o dirigente diligente e sacrificado capaz de "...uns açoites dados a tempo...", concepção que ainda hoje ouvimos com demasiada frequência.
Mesmo o arrojo e denúncia de muitos dos actores e autores contava já com este efeito de travagem provocado pelo "senso comum", exactamente porque cada um tem a sua cabeça, diferente, mas há muitas cabeças mais iguais do que as outras.

Sem contexto, sem vivências, a informação, só por si, não produz conhecimento actuante, ou estaríamos bem "fritos" com tudo o que por aí se promove em jornais, rádios e televisões.


quarta-feira, outubro 01, 2003

A idade não perdoa

Em primeiro lugar quero saudar o regresso do Aviz. A sua ausência empobreceu a blogoesfera.

Em segundo lugar quero dizer-vos que sinto o coração nas mãos só de pensar que A Formiga de Langton nos pode vir a abandonar; entrou em contagem decrescente. Não há por aí uma tecla Escape?

Em terceiro lugar quero falar-vos de alguma momentânea intermitência. A minha velha máquina, companheira de muitas horas de trabalho, de estudo e de lazer "pifou". Até que me decida por uma nova e a ponha a funcionar adequadamente, recuperando as velhas referências, irei visitando, um pouco ao sabor das disponibilidades, este novo mundo a que me habituei, blogando quando tiver tempo e oportunidade.

Até breve, espero.